"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



25/02/2015

Jurisprudência (85)


Deserção da instância; aplicação da lei no tempo; dever de prevenção do tribunal

1. É o seguinte o sumário de RC 10/2/2015 (3936/08.7TJCBR.C1):

I - O prazo de deserção da instância a que se refere o art.º 281.º do N. C. P. Civil é aplicável aos processos pendentes na data de 1.9.2013, data da entrada em vigor do novo diploma, aplicando-se o disposto no artigo 297.º do Código Civil.

II - Este critério não viola o princípio da confiança inerente ao modelo do Estado de direito democrático.

III - Estando em causa uma prazo processual – o da deserção da instância –, à dedução de um incidente processual - no caso o de habilitação - no termo daquele, é aplicável o prazo de complacência previsto no art.º 139.º, n.º 5, do Novo C. P. Civil
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2. Quando entrou em vigor o nCPC, encontrava-se em curso no processo em que o acórdão foi proferido um prazo de deserção da instância. No momento em que se iniciou a contagem desse prazo vigorava o aCPC, pelo que esse prazo era de dois anos (art. 291.º, n.º 1, aCPC).

A aplicação imediata do nCPC às acções pendentes imposta pelo art. 5.º, n.º 1, L 41/2013, de 26/6, implica que se aplique o novo prazo de deserção da instância estabelecido no nCPC. Este prazo é, segundo o disposto no art. 281.º, n.º 1, nCPC, de seis meses.

O acórdão entendeu -- aliás, bem -- que, atendendo a que o prazo ainda não se tinha esgotado no momento da entrada em vigor do nCPC, devia aplicar à sucessão de leis sobre prazos o disposto no art. 297.º, n.º 1, CC. Este preceito dispõe o seguinte: "a lei que estabelecer, para qualquer efeito um prazo mais curto do que o fixado em lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar". O regime é, pois, o seguinte:

-- Se, no momento da entrada em vigor da lei nova, faltar, para completar o prazo antigo, menos tempo do que o novo prazo, aplica-se a lei antiga; a solução procura evitar que a parte seja beneficiada com um aumento do prazo, como sucederia se, ao prazo já decorrido, se somasse o novo prazo;

-- Se, no momento em que a lei nova entra em vigor, faltar, para completar o prazo, mais tempo do que o novo prazo, aplica-se a lei nova, mas a contagem do novo prazo inicia-se somente no momento da entrada em vigor desta lei.
 
Como, no caso concreto, faltavam mais de seis meses para se completar o antigo prazo de deserção da instância (ou seja, ainda faltava mais do que o novo prazo de deserção), a deserção da instância só ocorre depois de completado o novo prazo de seis meses, contando-se este prazo a partir da data da entrada em vigor do nCPC, isto é, de 1/9/2013.

3. Afirma-se na fundamentação do acórdão o seguinte:

"Não se justifica [...] que o tribunal, face à alteração do prazo de extinção da instância, por deserção, com a entrada em vigor do Novo C. P. Civil, deva advertir previamente as partes dessa alteração, uma vez que o disposto nos artigos 3.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e 6.º do Novo C. P. Civil apenas se aplica às situações em que, verificada a omissão de um acto, o juiz deve convidar a parte a praticá-lo, desde que esta ainda o possa fazer atempadamente. [/]. Neste caso, o acto já foi praticado, restando saber se foi ou não atempada­mente, pelo que já nada há a corrigir".

Embora a redacção do art. 3.º L 41/2013 -- preceito entretanto caducado -- pudesse favorecer o entendimento contrário, era discutível que o convite à correcção do regime aplicável só devesse ser efectuado enquanto a parte ainda podia praticar atempadamente o acto segundo o novo regime processual. Mais seguro era que, ao contrário do que parece entender-se no acórdão, a prática do acto pela parte não devia impedir que o tribunal pudesse relevar um eventual erro desta sobre o regime aplicável, se, antes da prática do acto, não tivesse havido nenhuma advertência do tribunal.

Note-se que, apesar de o art. 3.º L 41/2013 já se encontrar caducado, os tribunais superiores continuam a poder controlar, nos recursos para eles interpostos, se o tribunal recorrido aplicou o disposto naquele preceito quando o mesmo ainda se encontrava em vigor. Daí que ainda mantenha alguma actualidade a determinação do sentido do disposto no art. 3.º L 41/2013.


MTS