"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



09/02/2015

Jurisprudência (74)


Apresentação à insolvência; coligação ilegal entre ex-cônjuges

1. É o seguinte o sumário de RP 26/1/2015 (533/14.6T8STS.P1): 

"Existe coligação activa ilegal quando os requerente simultâneos de insolvência não estão casados entre si ou são casados no regime da separação de bens, o que constitui excepção dilatória e é motivo de indeferimento liminar." 

2. O sumário do acórdão limita-se a enunciar uma proposição jurídica: não é admissível a coligação entre ex-cônjuges que se apresentam conjuntamente à insolvência, justificando essa inadmissibilidade o indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência (art. 27.º, n.º 1, al. a), CIRE). Do que tratava era, no entanto, do seguinte: dois êx-cônjuges, divorciados entre si, apresentaram-se conjuntamente à insolvência, com o argumento de que se tinham casado no regime de comunhão de adquiridos, de que se tinham divorciado por "razões pessoais", de que continuam a viver juntos e ainda de que o crédito que agora não podem satisfazer foi contraído por ambos durante a constância do seu casamento. A RP entendeu que, considerando o disposto no art. 264.º, n.º 1, CIRE, a coligação era ilegal, pelo que confirmou o despacho de indeferimento liminar proferido pela 1.ª instância.

O art. 264.º, n.º 1, CIRE admite que, incorrendo ambos os cônjuges (o preceito fala ainda de marido e mulher) em situação de insolvência e não sendo o regime de bens o da separação, os cônjuges podem apresentarem-se conjuntamente à insolvência. Perante este preceito, pode defender-se que a decisão da RP é indiscutível: ex-cônjuges divorciados entre si não é a mesma coisa que cônjuges casados entre si.

Uma análise mais cuidada do caso leva a perguntar, todavia, se não se poderia -- ou mesmo deveria -- ter-se admitido a coligação. Para isso, não teria sido necessário mais do que a aplicação analógica ao caso concreto do disposto nos art. 264.º a 266.º CIRE. Os elementos essenciais que poderiam ter justificado essa aplicação analógica são o de que a dívida pela qual os ex-cônjuges não podem responder foi contraída na constância do casamento, o de que essa dívida é comum e ainda o de que os ex-cônjuges nunca realizaram a partilha do seu património comum (o que é especialmente relevante, porque, na insolvência de ambos os cônjuges, procede-se à inventariação e liquidação dos bens comuns: art. 266.º CIRE).

Se, atendendo às circunstâncias do caso sub iudice, se tivesse admitido a coligação entre os ex-cônjuges, a RP teria alargado e aperfeiçoado o sistema jurídico. Com a decisão que tomou, a RP deixou este sistema no mesmo ponto em que o legislador o construiu.

MTS