Pressupostos processuais; dispensa da apreciação prévia
1. O sumário de STJ 14/1/2015 (870/08.4TTLSB.L2.S1) é o seguinte:
"De acordo com os princípios reitores da economia processual e da prevalência da decisão de fundo sobre a de mera forma, ínsitos na redação conferida pelo DL 180/96, de 25 de setembro, ao artigo 288.º, n.º 3, do CPC e mantidos no artigo 278.º, n.º 3, do NCPC [aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho], a simples ocorrência de uma exceção dilatória não suprida não deverá conduzir irremediavelmente à absolvição da instância, antes, se o pressuposto processual em falta se destinar à tutela do interesse de uma das partes, se outra circunstância não obstar a que se conheça do mérito e se a decisão a proferir dever ser inteiramente favorável à parte em cujo interesse o pressuposto fora estabelecido, faculta-se ao juiz o imediato conhecimento do mérito da causa."
2. O acórdão aplica o disposto no art. 278.º, n,º 3, CPC quanto à dispensa da apreciação prévia de um pressuposto processual, ou seja, quanto à admissibilidade do proferimento de uma decisão de mérito, de procedência ou de improcedência, apesar da falta de um pressuposto processual. In casu, o STJ entendeu que, não obsrante a ilegitimidade dos autores, nada impede o proferimento de um decisão de improcedência da causa.
Na doutrina alemã, há muito que é indiscutível que a falta de interesse processual não obsta ao proferimento de uma decisão de improcedência, porque não tem sentido absolver o réu da instância com base na desnecessidade ou na inadequação do meio judicial escolhido pelo autor. Não se justifica procurar proteger o réu do uso desnecessário ou inadequado do processo quando essa parte pode obter uma protecção mais forte através de uma decisão de improcedência (cf., por exemplo, Stein-Jonas/Brehm (2014), vor § 1, 267 e 273).
Bastante mais problemática é a dispensa da apreciação prévia de outros pressupostos processuais (cf., v. g., Stein-Jonas/Brehm (2014), vor § 1, 266). Em 1966, Rimmelspacher defendeu que os pressupostos processuais e as condições de procedência da causa têm o mesmo valor, pelo que, para o proferimento de uma decisão de absolvição, aqueles pressupostos e aquelas condições são alternativos entre si (Rimmelspacher, Zur Prüfung von Amts wegen im Zivilprozess (1966),
109 ss. e 122 ss.; cf. também Grunsky, ZZP 80 (1967), 55 ss.). Assim, o tribunal pode fundamentar uma decisão de absolvição tanto na falta de um dos pressupostos processuais, como na falta de fundamentação da causa, dependendo apenas de qual dessas faltas é a primeira a ser conhecida pelo tribunal.
Uma reflexão posterior sobre o problema permitiu concluir não só que não é possível ir tão longe como Rimmelspacher, porque nem todos os pressupostos processuais podem ser dispensados quando se trata de proferir uma decisão de improcedência, mas também que é possível ir mais além da orientação de Rimmelspacher, porque, apesar da falta de um pressuposto processual, pode ser admissível o proferimento tanto de uma decisão de improcedência, como de uma decisão de procedência (Teixeira de Sousa, Die Zulässigkeitsprüfung im Zivilprozess (2010), 49 ss.). Existem pressupostos processuais absolutos -- que são aqueles que têm de estar verificados para que seja admissível o proferimento de qualquer decisão sobre o mérito -- e pressupostos processuais relativos -- que são aqueles cuja falta não obsta ao proferimento de uma decisão de procedência ou de improcedência.
Quanto à relevância da falta de um pressuposto processual relativo para o proferimento de uma decisão sobre o mérito, tudo depende da função de protecção que é por ele desempenhada:
-- Se essa função for de protecção do autor (como, por exemplo, o patrocínio judiciário obrigatório do autor), nada impede o proferimento de uma decisão de procedência, não obstante a falta do pressuposto processual;
-- Se aquela função for de protecção do réu (como, por exemplo, a capacidade judiciária do réu), nada obsta ao proferimento de uma decisão de improcedência, apesar da falta do pressuposto processual.
MTS