1. O art.
1421 do Codice civile, integrado num
título denominado Dei contratti in
generale, estabelece, sob a epígrafe Legittimazione
all'azione di nullità, o seguinte: Salvo
diverse disposizioni di legge, la nullità può essere fatta valere da chiunque
vi ha interesse e può essere rilevata d'ufficio dal giudice.
Num artigo
de C. Consolo (Nullità del contratto, suo
rilievo totale o parziale e poteri del giudice, in La disponibilità della tutela giurisdizionale (cinquant’anni
dopo) (2011), p. 7 ss.)
encontra-se (p. 17) uma referência a alguma jurisprudência italiana que entende
que, se nenhuma das partes suscitar a nulidade do contrato, o tribunal pode
conhecer oficiosamente de qualquer causa de nulidade, mas que, se alguma das
partes impugnar a validade do contrato, então o tribunal não pode considerar ex officio nenhuma outra causa de
nulidade. O argumento utilizado por esta jurisprudência é o de que, neste
último caso, o tribunal tem de respeitar o principio
della domanda e o da corrispondenza
tra il chiesto e il pronunciato.
2. Como é
bem conhecido, o art. 286.º CC estabelece que a nulidade pode ser declarada
oficiosamente pelo tribunal. No entanto, apesar da similitude entre o regime
italiano e o regime português, a jurisprudência portuguesa orienta-se, pelo menos
quando a nulidade opera como excepção peremptória, por uma solução diferente da
acima referida como sendo a de alguma jurisprudência italiana. Parece ser
indiscutível que, para a jurisprudência portuguesa, qualquer tribunal – seja de
1.ª instância, seja de recurso – pode conhecer oficiosamente de qualquer causa de
nulidade e absolver o réu do pedido com base em qualquer causa dessa invalidade
(cf. art. 576.º, n.º 3, CPC).
Esta
solução vale tanto quando o réu não tenha alegado nenhuma causa de nulidade do
contrato ou do acto jurídico invocado pelo autor, como quando o réu tenha
excepcionado e alegado uma determinada causa de nulidade. Também neste caso, o
tribunal pode considerar oficiosamente uma outra causa de nulidade, podendo
mesmo acontecer que o tribunal julgue improcedente a nulidade excepcionada pelo
réu e venha a absolver o réu do pedido com base numa outra causa de nulidade
por ele conhecida ex officio. Por
exemplo: o réu excepcionou a nulidade do contrato com fundamento no seu
carácter simulado (cf. art. 240.º, n.º 2, CC); o tribunal pode considerar
improcedente a simulação, mas vir a absolver o réu do pedido com fundamento no
desrespeito da forma legalmente exigida (cf. art. 294.º CC). O único cuidado
que o tribunal deve ter é o de evitar qualquer decisão-surpresa (cf. art. 3.º,
n.º 3, CPC).
Pode
perguntar-se o que sucede se o réu invocar uma única causa de nulidade e o
tribunal considerar esta excepção improcedente, deixando de apreciar, no
entanto, uma outra causa de nulidade de conhecimento oficioso. Aproveitando o
exemplo anterior, suponha-se que o réu invocou a simulação e que o tribunal
considerou esta excepção improcedente, mas não conheceu da nulidade do negócio
por desrespeito da forma legalmente exigida.
A
circunstância de o tribunal não ter conhecido de uma causa de nulidade de
conhecimento oficioso implica a nulidade da decisão por omissão de pronúncia
(cf. art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), mas, uma vez transitada em julgado a
decisão sem a arguição da sua nulidade, nada pode obstar à preclusão decorrente
do ónus de concentração da defesa na contestação (art. 573.º, n.º 1, CPC). O
que é de conhecimento oficioso pelo tribunal numa acção também pode ser alegado
pelo réu nessa mesma acção, pelo que a omissão desta alegação e da impugnação
da decisão por nulidade implica a referida preclusão. O fundamento de defesa
que não foi alegado pelo réu numa acção, nem conhecido oficiosamente nela, não
pode ser invocado por aquela parte num processo posterior, se isso se destinar
a contrariar a decisão proferida na acção anterior. Assim, o réu não pode
invocar numa acção posterior uma causa de nulidade não alegada, nem conhecida,
numa acção anterior, procurando com isso destruir a condenação proferida na
primeira acção.
3. Pode
questionar-se se o que acima se referiu a propósito da pluralidade de
fundamentos da nulidade como excepção também vale para a pluralidade de
fundamentos da nulidade como causa de pedir. A questão é, pois, a seguinte:
tendo o autor invocado uma determina causa de nulidade, pode o tribunal
considerar a acção procedente com fundamento numa outra causa dessa invalidade?
Voltando ao exemplo anterior: o que se pode perguntar é se, tendo o autor
instaurado uma acção em que pede a declaração de nulidade de um contrato por
simulação, o tribunal, apesar de considerar a acção improcedente com base neste
fundamento, pode vir a julgar a acção procedente com base na inobservância da
forma legalmente requerida.
A resposta
não pode deixar de ser positiva. O conhecimento oficioso da nulidade pelo
tribunal é independente da parte beneficiada; o que conta é a relação da
nulidade com o objecto do processo e a sua relevância para a apreciação de
qualquer pedido, não a relação da nulidade com qualquer das partes. Assim, a
nulidade que, num caso, pode constituir fundamento de absolvição do pedido
(decisão favorável ao réu) também pode constituir, num outro caso, fundamento
da procedência da causa (decisão favorável ao autor).
Em relação
à invocação, numa acção posterior, de uma causa de nulidade não apreciada numa
acção anterior, o processo civil português impõe, no entanto, uma diferença
entre a posição do réu e a do autor. O princípio da concentração da defesa na
contestação impede que o réu possa invocar, em acção posterior, um fundamento
de defesa que não alegou numa acção anterior (por exemplo, uma causa de
nulidade que não foi apreciada numa acção anterior). Esta preclusão não existe
para o autor quanto a uma possível causa de pedir concorrente: depois de o
autor não ter conseguido obter a procedência da acção com fundamento numa certa
causa de pedir nada obsta a que esse mesmo autor procure obter a procedência do
mesmo pedido com base numa outra causa de pedir. Isto é, há preclusão de
fundamentos de defesa, mas não há nenhuma preclusão de causas de pedir. Sendo
assim, nada obsta a que o autor proponha uma acção posterior, alegando nesta
uma diferente causa de nulidade daquela que invocou na acção anterior.
C. Consolo, criticando a acima referida jurisprudência italiana, afirma
(p. 18), com total razão, que, se se entende que fica precludida a alegação
pela parte de uma causa de nulidade diferente daquela que ela invocou numa
acção anterior, então tem de se admitir que o tribunal possa conhecer ex officio de uma causa de nulidade
distinta daquela que a parte invocou. Efectivamente, não é coerente impor à
parte a preclusão da alegação posterior de uma outra causa de nulidade sem
permitir que o tribunal possa conhecer oficiosamente de uma causa de nulidade
diferente daquela que foi alegada pela parte no processo pendente. De outro modo, a alegação pela
parte de uma causa de nulidade “bloquearia” a apreciação de qualquer outra
causa dessa invalidade, dado que a apreciação desta não seria possível nem na
acção pendente (pela limitação do conhecimento oficioso do tribunal), nem numa
acção posterior (por força da preclusão imposta à parte).
O inverso
não é, todavia, necessariamente verdadeiro. Mesmo que se admita que o tribunal
pode conhecer oficiosamente de uma causa de nulidade distinta daquela que o
autor alegou, depende do direito positivo saber se, numa acção posterior, o
autor pode alegar uma causa de nulidade de que o tribunal não conheceu
oficiosamente numa acção anterior. A resposta do direito português quanto a saber
se, nesta hipótese, opera alguma preclusão já foi dada acima: nesse direito,
não opera nenhuma preclusão, pelo que o autor pode invocar uma distinta causa
de nulidade numa acção posterior.
MTS