"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



17/02/2015

Jurisprudência (81)


Recurso de revisão; documento superveniente

O sumário de STJ 4/2/2015 (3319/07.6TTLSB.L3.S1-A) é o seguinte:

1 - O recurso de revisão é um recurso de aplicação extraordinária que só uma comprovada e clamorosa ofensa do princípio reitor da justiça leva a que este deva prevalecer sobre o princípio da segurança decorrente do caso julgado.

2 - A formulação do juízo rescindente liminar realiza-se sob duas vertentes: na primeira, com sentido formal, cuida-se de saber da correta instrução do recurso; na segunda, com carácter tendencialmente substantivo – sem prejuízo da consideração adjectiva quanto aos pressupostos, como a legitimidade e o interesse em agir – indaga-se se ocorre, ou não, manifesta inviabilidade, isto é, se é de reconhecer de imediato que não há motivo para revisão.

3 - Não têm a natureza de documentos no sentido técnico-jurídico de meio de prova, os pareceres de natureza jurídica juntos pelas recorrentes como fundamento de recurso de revisão, uma vez que esses documentos visam a análise de questões de natureza jurídica suscitadas na decisão recorrida, não contendo a demonstração de qualquer realidade fáctica que seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável às recorrentes. 

Da fundamentação do acórdão retira-se a seguinte passagem, da qual resulta o total acerto da decisão do STJ:

4 - [...] importa enfrentar a interpretação da alínea c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil e responder à questão suscitada de saber se os pareceres invocados pelas recorrentes, como fundamento do presente recurso de revisão, se podem considerar documentos para este efeito.

Refere aquele dispositivo que «a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando: c) se apresente documento que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida».

A redacção deste dispositivo não difere da alínea c) do artigo 771.º do anterior Código de Processo Civil, na versão resultante do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

Pronunciando-se sobre este dispositivo referiram LEBRE de FREITAS e RIBEIRO MENDES que se prevê «a apresentação de documento anterior omitido, por a parte dele não ter conhecimento ou dele não ter podido fazer uso no processo, e que seja susceptível de modificar a decisão revidenda em sentido mais favorável à parte vencida (documento superveniente essencial). O documento tem de fazer prova de um facto inconciliável com a decisão a rever» [Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, Tomo I, Coimbra Editora, 2008, pp. 225 e 226].

Como se referiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de Maio de 1979, [Boletim do Ministério da Justiça, n.º 287, Junho de 1979, p. 247], o documento apresentado tem de ter a virtualidade bastante para, só através dele e sem recurso a novos elementos de prova, impor à causa uma solução diversa daquela que teve» e cita-se o «ensinamento do Prof. Alberto dos Reis, ao escrever: «O documento há-de ser tal, que por si só, tenha força suficiente para destruir a prova que fundou a sentença, quer dizer o documento deve impor um estado de facto diverso daquele em que a sentença assentou» (Código de Processo Civil Anotado, vol. 6.º, pág. 356).

No caso dos autos não está em causa neste juízo de admissão ou rejeição do recurso a informação de natureza jurídica que conste dos documentos agora invocados como fundamento da revisão e qualquer visão crítica dos mesmos, nomeadamente, a relação desses pareceres com os pareceres juntos anteriormente aos autos, ou o rigor na descrição da situação de facto apresentada aos ilustres juristas que os subscreveram e que é essencial para a ponderação do respectivo conteúdo, mas apenas o conteúdo desses documentos enquanto meros suportes de informação jurídica sobre as questões decididas no processo, sem qualquer relação com a matéria de facto fixada no processo e que é base do ali decidido.

Ora ponderando o disposto na alínea c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil no contexto do recurso de revisão, os valores de verdade e de Justiça na realização do Direito que lhe estão subjacentes e a função deste recurso, pode concluir-se que o conceito de documento que aqui está em causa é o de documento enquanto meio de prova dos factos que servem de fundamento à acção ou à defesa, não integrando os pareceres de natureza jurídica juntos pelas partes aos autos em abono das suas posições sobre o sentido da decisão a proferir.

Está em causa o documento que «só por si seja suficiente para modificar a decisão», ou seja, que releve na demonstração dos factos que constituem o objecto do processo, servindo de fundamento à acção ou à defesa, estando declaradamente ligado à decisão em matéria de facto.

Assim, o documento legitimador da revisão há-de ser portador de informação sobre os factos que constituem o litígio que tenha a virtualidade, não só de abalar a matéria de facto fixada na decisão recorrida, mas, acima de tudo, de ser de tal modo antagónico com ela que justifique, visto de uma forma isolada e sem qualquer relação com a prova produzida no processo, a decisão em sentido contrário.

É este valor objectivo do documento como meio de prova, associado ao facto de a parte não ter do mesmo conhecimento, ou não ter podido dele fazer uso no processo, que justifica a revisão do processo para que esse documento seja tomado em consideração na nova decisão a proferir.

Os pareceres de natureza jurídica não se integram, assim, no conceito de documento referido na alínea c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil para servir de fundamento ao recurso de revisão, existindo no caso dos autos, motivo para a rejeição do recurso interposto, nos termos do n.º 1 do artigo 699.º do Código de Processo Civil.