"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



15/02/2015

Jurisprudência (80)


 Título executivo; aplicação da lei no tempo; alteração do título executivo

I. O sumário de RP 2/2/2015 (5901/13.3YYPRT-B.P1) é o seguinte: 

1. A possibilidade de uma decisão transitada em julgado produzir efeitos jurídicos fora do processo em que foi proferida pressupõe, necessariamente, que tenha força de caso julgado material.
 
2. Os documentos particulares não autenticados não são título executivo quando neles se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras, porquanto a lei apenas confere exequibilidade nesses casos a documentos autênticos ou autenticados.
 
3. Embora o título executivo não seja a causa de pedir da acção executiva, dada a sua relevância para a configuração do objecto da acção executiva (veja-se o artigo 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil) justifica-se a aplicação, por identidade de razão, dos preceitos legais que disciplinam a alteração da causa de pedir (artigo 265.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) à substituição de um título executivo por outro título executivo, para a mesma pretensão executiva.
 
4. Sendo o título executivo um pressuposto processual da acção executiva, por definição, deve verificar-se a sua existência logo no requerimento inicial ou na sequência de despacho de aperfeiçoamento (veja-se o artigo 726.º, nºs. 2, alínea a), 4 e 5, do Código de Processo Civil), não sendo legalmente admissível que a comprovação da sua existência e suficiência possa ser efectuada até à realização da audiência de discussão e julgamento no apenso de embargos de executado.

II. É interessante a aplicação analógica do regime da alteração da causa de pedir (cf. art. 265.º, n.º 1, CPC) à alteração do título executivo defendida no acórdão. Neste, é referido que, sem o acordo de ambas as partes, não é possível alterar o título executivo, o que, dito pela positiva, significa que, havendo esse esse acordo, é admissível aquela alteração.

A referida aplicação analógica também pode ter ainda uma outra consequência: a admissibilidade da alteração do título executivo em consequência de confissão feita pelo executado (por exemplo, em embargos de executado) e aceita pelo exequente.Também não é algo que se possa excluir.

III. Em nota de rodapé (13), o acórdão refere que, tendo a acção executiva sido proposta depois da entrada em vigor do nCPC, se colocaria um problema da aplicação da lei no tempo, dado que, de acordo com o disposto no art. 6.º, n.º 3, L 41/2013, de 26/6, haveria que aplicar o novo elenco dos títulos executivos constante do art. 703.º CPC e, segundo este, o documento particular dado à execução não pode ser qualificado como título executivo. Na referida nota de rodapé, refere-se a jurisprudência que tem vindo a declarar inconstitucional o art. 6.º, n.º 3, L 41/2013 e o art. 703.º CPC na interpretação de que estes preceitos se aplicam a documentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor do nCPC. Implicitamente, segue-se esta orientação, embora se refira também a opinião contrária que tem vindo a ser defendida neste Blog (um gesto que, naturalmente, se regista e agradece).

Um dos acórdãos referidos como defendendo aquela inconstitucionalidade é o acórdão do TC de 3/12/2014 (847/2014). Como já houve oportunidade de referir (cf. Jurisprudência constitucional (19)), para além de muito mais, não deixa de ser estranha a mudança de orientação realizada pelo TC, dado que, anteriormente, o mesmo TC tinha aceitado a aplicação imediata de novas disposições legais a documentos que, antes da entrada em vigor destas disposições, não eram título executivo (TC 5/12/2001 (541/01)). 

Merece especial reflexão a circunstância de o TC ter entendido que nada obsta a que o credor possa ser beneficiado com a atribuição de força executiva a um documento que, no momento da sua elaboração, não era título executivo e agora entender que é inconstitucional a aplicação imediata de um regime legal destinado a proteger o devedor, retirando força executiva a documentos que, na opinião do legislador, não garantem, com a fiabilidade necessária, a constituição da dívida exequenda. A diferença de tratamento entre credores e devedores, perante o mesmo problema de aplicação imediata de novos elencos de títulos executivos, não pode deixar de suscitar, pelo menos, muitas reservas.

MTS