"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/02/2015

Jurisprudência (76)


Incidente de habilitação; repúdio da herança

1. O sumário de RP 2/2/2015 (102048/12.7YIPRT.P1) é o seguinte:

I - Através do incidente de habilitação previsto nos artigos 351.º a 355.º do CPCivil como o meio adequado a modificar a instância quanto às pessoas, substituindo-se alguma das partes na relação substantiva em litígio [artigo 262.º, al. a), do CPCivil], apenas se trata de averiguar se o habilitado tem as condições legalmente exigidas para a substituição, isto é, apenas se aprecia a sua legitimidade como substituto da parte falecida, legitimidade essa que só coincide com a definida pelo artigo 30.º do mesmo diploma.

II - Assim, na habilitação, não se exige a aceitação da herança do habilitando e o facto de ele ser habilitado não determina, em princípio, o reconhecimento da aceitação tácita, permitindo que, mesmo depois da habilitação, o habilitado que a não contestou possa vir repudiar a herança, mantendo-se, assim, a autonomia dessas questões, a saber, a habilitação incidental e a aceitação da herança.

III - O repúdio da herança tem efeitos retroactivos, ou seja, tudo se passa como se o repudiante não tivesse figurado no quadro dos sucessíveis, como se nunca lá tivesse estado, excepto quanto ao direito de representação (artigo 2062.º do CCivil), pelo que, se no incidente de habilitação se alega e prova tal acto, não estão preenchidos os pressupostos legais para a julgar habilitada como sucessor do falecido, pois que, a qualidade de sucessível se encontrava irretratavelmente desvitalizada.

IV - Todavia, se aquele acto de repúdio se verifica em momento posterior à decisão do incidente de habilitação, mas antes de ser proferida a sentença no processo principal, não se pode dizer que a habilitada deixou de ser parte legítima na causa.

V - Esse repúdio, significando o desaparecimento-embora não físico, mas jurídico-dos sucessores habilitados, devendo ser comunicado nos autos, apenas terá como consequência a suspensão da instância a desencadear, assim, nova habilitação.

VI - Se esse repúdio se verificar antes de ter sido proferida a decisão nos autos principais, mas dele aí não se tenha dado conhecimento, não pode essa questão com enfoque na ilegitimidade passiva, ser conhecida em via de recurso.

VII - E, mesmo a entender-se de outro modo, sempre o tribunal ad quem teria que apreciar a questão da validade do repúdio e, como tal, tratar-se-ia de uma questão nova que lhe estava vedado conhecer, pois que, este não é daqueles casos em que se possa suprimir um grau de jurisdição.

VIII - Pelo que, findando a instância com o trânsito do acórdão, será na oposição mediante embargos, (artigo 728.º e ss. do CPCivil) após a eventual instauração da execução da sentença, que a apelante deverá colocar a questão do repúdio da herança e, concluindo-se pela sua validade, então sim, terá a embargada ora apelada, por apenso à execução, que deduzir novo incidente de habilitação. 

2. O acórdão decidiu um caso interessante: por morte do requerido num procedimento de injunção foi habilitada uma sua filha; o incidente foi julgado procedente; na acção convolada, a habilitada não apresentou contestação, tendo o juiz proferido uma decisão condenatória desta habilitada; esta veio invocar, em recurso interposto para a RP, que já antes do proferimento da sentença condenatória tinha repudiado a herança, pelo que não podia ter sido considerada parte legítima nessa acção; a RP, argumentando que a habilitada não cumpriu o ónus de alegar o repúdio da herança na 1.ª instância, julgou a apelação improcedente e confirmou a decisão condenatória impugnada.

A RP ponderou a hipótese de apreciar no próprio recurso de apelação a relevância do repúdio da herança pela habilitada e a consequente ilegitimidade desta parte. No entanto, acabou por rejeitar essa possibilidade de apreciação com o argumento de que se tratava de uma questão nova, isto é, de uma questão que, no processo, era colocada pela primeira vez no recurso interposto por aquela parte. 

O problema não é tanto o de se tratar de uma questão nova, mas mais o de que essa questão não era uma questão superveniente, dado que a habilitada devia ter invocado o repúdio da herança antes do proferimento da decisão em 1.ª instância. Atendendo a esta preclusão, pode aceitar-se a recusa da apreciação da questão relativa ao repúdio da herança pela RP.

MTS