Matéria de facto; poderes do STJ; nulidade do acórdão
O sumário de STJ 22/1/2015 (24/09.2TBMDA.C2.S2) é o seguinte:
"I - A lei portuguesa prevê apenas um grau de recurso no julgamento da matéria de facto, razão pela qual a intervenção do STJ nesta matéria apenas se justifica sempre que o tribunal recorrido tenha ofendido uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova; mas já não nas circunstâncias em que apenas se pretende reanalisar a apreciação que as instâncias fizeram de prova testemunhal, pericial ou qualquer outra sujeita ao princípio da livre apreciação da prova.
II - A fundamentação das decisões desempenha, simultaneamente, uma função de demonstração da sua própria coerência, de persuasão dos destinatários e de possibilidade de controlo pelas partes e pelos tribunais superiores, mas também de legitimação do exercício do poder judicial.
III - Não é susceptível de fundamental a arguição de nulidade de acórdão – por falta de fundamentação – a mera discordância com as conclusões de facto constantes do acórdão.
IV - A nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixa de apreciar questões que tinha de conhecer, mas já não quando, no entender do recorrente, as razões da decisão resultam pouco explicitadas ou não se conhecem de argumentos invocados.
V - Não obstante do art. 7.º do CRgP resultar que a inscrição no registo predial faz presumir a titularidade do direito de propriedade, tal presunção não abrange a definição da delimitação física do prédio, e que é a que está em causa na discussão da titularidade da faixa de 28 m de terreno."
Pelo seu interesse, transcreve-se a seguinte parte da fundamentação do acórdão:
"[...] cabe recordar o seguinte:
– A lei portuguesa apenas prevê um grau de recurso no julgamento da matéria de facto Como o Supremo Tribunal de Justiça tem repetida e uniformemente observado, quer em relação ao Código de Processo Civil anterior, quer no que toca ao Código de Processo Civil vigente, aplicável ao presente acórdão (cfr. artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), o Supremo Tribunal de Justiça não pode alterar a decisão do tribunal recorrido relativamente à matéria de facto, salvo no “caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674.º” – n.º 2 do artigo 682.º, correspondente ao n.º 2 do artigo 722.º do Código anterior. Significa isto (cfr., apenas a título de exemplo, o acórdão de 27 de Setembro de 2007, www.dgsi.pt, proc. n.º 07B2028 e jurisprudência nele citada, ou ainda o acórdão de 16 de Janeiro de 2014,www.dgsi.pt, proc. n.º 695/09.0TBBRG.G2.S1) que é preciso que o tribunal recorrido tenha ofendido “uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” para que, na revista, o Supremo Tribunal possa corrigir qualquer “erro na apreciação das provas” ou na “fixação dos factos materiais da causa” (acórdão de 27 de Setembro de 2007 cit. e acórdão de 8 de Maio de 2013, www.dgsi.pt, proc. n.º 3036/04.9TBVLG.P1.S1 e jurisprudência indicada); nessa eventualidade, está ainda em causa a correcção da aplicação de regras de direito, relativas à admissibilidade ou ao valor (abstractamente fixado) dos meios de prova, e não a apreciação dos factos.
Não cabe pois no âmbito do recurso de revista analisar a apreciação que as instâncias fizeram relativamente à prova testemunhal, pericial, ou outra que esteja igualmente sujeita ao princípio da livre apreciação da prova; nem retirar presunções judiciais de factos provados, ou controlar presunções judiciais deduzidas da prova pelas instâncias, uma vez que ainda se situam no domínio dos factos (cfr. nomeadamente o acórdão de 24 de Outubro de 2013, www.dgsi.pt, proc. n.º 1673/07.9TJVNF.P1.S1);
– A impossibilidade de controlo da decisão de facto, coincidente com o âmbito de aplicação do princípio da livre apreciação, que continua a ser o princípio geral em matéria de valoração da prova (hoje enunciado no n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil), não significa que o Supremo Tribunal de Justiça não possa controlar a aplicação das regras que definem os pressupostos e os limites da “modificabilidade da decisão de facto” no recurso de apelação, fixados hoje no artigo 662.º do Código de Processo Civil (anterior artigo 712.º); o que é naturalmente diferente de controlar as decisões que a Relação profira no exercício do seu poder de modificação da decisão de facto, estas sim insusceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, como resulta do n.º 4 do mesmo artigo 662.º (cfr. também apenas como exemplo, o acórdão de 8 de Outubro de 2009, www.dgsi.pt, proc. n.º 839/04.8TBGRD.C1.S1)."