"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/03/2015

Jurisprudência (88)



Impugnação da matéria de facto; ónus do recorrente


É o seguinte o sumário de STJ 19/2/2015 (299/05.6TBMGD.P2.S1):

1. Para efeitos do disposto nos artigos 640.º, n.º 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, importa distinguir, por um lado, o que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objeto do recurso; por outro, o que se inscreve no domínio da reapreciação daquela decisão mediante reavaliação da prova convocada. 
 
2. A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. 
 
3. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC. 
 
4. É em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC. 
 
5. Nessa conformidade, enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória. 
 
6. Por outro lado, a insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação. 
 
7. Tais condições formais de impugnação da decisão de facto radicam em normas de direito processual disciplinadoras do limites cognitivos e do exercício dos poderes do Tribunal da Relação em sede de reapreciação dessa decisão, cuja violação e incorreta aplicação são suscetíveis de servir de fundamento do recurso de revista, ao abrigo do art.º 674.º, n.º 1, alínea b), do CPC. 
 
8. Tendo o recorrente, nas conclusões recursórias, especificado os concretos pontos de facto que impugna, com referência às respostas dadas aos artigos da base instrutória, indicando também aí a decisão que, no seu entender, deve sobre eles ser proferida, enquanto que só no corpo das alegações especifica os meios de prova convocados e indica as passagens das gravações dos depoimentos em foco, têm-se por preenchidos os requisitos formais do ónus de impugnação exigidos pelo art.º 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPC. 
 
9. A insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória exposta pelo recorrente é matéria a apreciar em sede do mérito da decisão impugnada. 
 
10. A decisão de facto integra-se no plano da fundamentação da sentença, como decorre do disposto no n.º 4 do artigo 604.º, correspondente ao anterior art.º 659.º do CPC, pelo que sobre ela não opera, de forma autónoma, o alcance do caso julgado material. 
 
11. Mas daí não resulta que não possa ficar precludida a apreciação da matéria de facto feita em recurso anterior, o que deve ser aferido em função do que tiver sido decidido em sede de anulação do julgamento, mormente nos termos previstos no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), e n.º 3, alíneas b) e c), do CPC.