"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/03/2015

Legitimidade para a ação executiva do terceiro adquirente de imóvel objeto de impugnação pauliana; intervenção principal provocada



Não sendo a obrigação cumprida de forma voluntária, tem o credor o direito de apreender bens que integram o património do devedor. Esta é a regra geral no que se refere aos bens que podem ser objeto da execução (cf. art. 817.º do CCiv; art. 735.º, n.º 1, do nCPC).

Porém, também existem alguns casos, especialmente previstos na lei, em que é admissível a penhora de bens de terceiro: i) quando o terceiro tenha dado de garantia do crédito exequendo um bem que lhe pertence; ii) quando a aquisição do bem seja objeto de uma impugnação pauliana julgada procedente (art. 818.º do CCiv).

É, todavia, condição legal para que a execução possa prosseguir para penhora e venda dos bens de terceiro que este tenha sido citado (art. 735.º, n.º 2, parte final, do nCPC).

A ação de impugnação pauliana não visa a declaração de nulidade ou a anulação dos negócios realizados pelo devedor. Dirige-se, antes, a atos do devedor que não enfermam de qualquer vício. Compreende-se, por isso, o regime previsto no art. 616.º, n.ºs 1 e 4, do CCiv quanto aos efeitos da procedência da impugnação pauliana, pelo que, neste sentido, esta impugnação pode ser caracterizada como uma ação pessoal.

O efeito decorrente da procedência da impugnação pauliana não é, assim, a destruição do ato, mas apenas a inoponibilidade do mesmo à execução na exata medida da necessidade satisfação da pretensão do credor, mediante a mera ineficácia (situacional) desse ato. Tudo à semelhança do que se estabelece no art. 819.º do CCiv quanto aos efeitos da penhora.

A procedência da impugnação pauliana tem como resultado a possibilidade de o terceiro adquirente ser demandado numa execução, isto é, a procedência da pauliana atribui legitimidade processual ao terceiro adquirente do bem que foi objeto da impugnação para ser demandado na execução. A intervenção do terceiro adquirente em sede executiva coloca, pois, um problema de legitimidade processual, e não de (in)existência de título executivo quanto a esse adquirente.

Considerando que a execução apenas pode prosseguir para penhora e venda do bem que foi objeto da impugnação paulina se a execução também seguir contra o titular deste bem, o que está em causa é a intervenção do terceiro adquirente no processo de execução, mantendo-se como título executivo o documento inicialmente dado à execução pelo credor. Não existe, pois, uma substituição em nenhuma das partes da execução, porque o devedor não deixa de estar vinculado à obrigação exequenda pelo facto de ter transmitido o bem a terceiro, quer antes, quer depois da instauração da execução.

O credor pode demandar, em litisconsórcio voluntário inicial, o devedor e o terceiro adquirente ou optar por demandar inicialmente apenas este terceiro e só fazer intervir, de forma subsequente, o devedor, se o valor do bem for insuficiente para o pagamento integral do crédito exequendo. O credor pode ainda optar por demandar primeiro o devedor e só depois requerer a intervenção principal do terceiro titular do bem, nos termos dos arts. 316.º a 320.º do nCPC, se esse credor pretender penhorar e vender o bem que foi objeto da impugnação pauliana para completa satisfação do seu direito.

Não existe, contudo, nenhum ónus de o credor exequente requerer a intervenção do terceiro adquirente, pelo que não fica precludida a faculdade de esse credor instaurar uma nova ação executiva apenas contra o titular do bem. A falta de intervenção do terceiro na execução inicial apenas impede que a mesma prossiga para penhora e venda do bem que foi objeto da impugnação pauliana.

Como não existe uma substituição de partes na execução, o meio processual adequado para a demanda do terceiro adquirente é o incidente da intervenção principal provocada desse terceiro, e não o incidente de habilitação, porque não ocorre nenhuma transmissão da dívida para o terceiro adquirente do bem (cfr. art. 262.º, al. a), do nCPC).

Na sequência do que se expôs, o terceiro é parte legítima na execução quando o credor exequente pretenda executar o bem que foi objeto da impugnação pauliana (cfr. art. 818.º do CCiv), podendo, na parte restante, aplicar-se, por analogia, o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 54.º do nCPC. A intervenção do terceiro é mesmo necessária como forma de evitar a previsível oposição que este venha a deduzir à penhora do bem mediante embargos de terceiro.

Porém, a intervenção processual do terceiro adquirente, tendo em vista que o mesmo só é chamado à execução na qualidade de titular do bem que se pretende vender, limita-se à fase da venda, podendo exercer nesta fase os mesmos direitos que a lei reconhece ao executado.

Assim, tendo o agente de execução penhorado o bem do terceiro adquirente, para que a execução possa prosseguir sobre o bem sobre que incidiu a impugnação pauliana, o juiz, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 6.º e dos n.ºs 2 e 3 do art. 316.º do nCPC, pode convidar o credor exequente a requerer a intervenção principal provocada do terceiro, seguindo-se os demais termos deste incidente da instância, sob pena de a execução não poder prosseguir quanto a esse bem. Tudo isto sem prejuízo de, se o credor exequente assim o preferir, esse credor poder vir a instaurar uma futura execução apenas contra o terceiro adquirente.

José Henrique Delgado Carvalho 
(Juiz de Direito)