Não sendo a obrigação cumprida de forma voluntária,
tem o credor o direito de apreender bens que integram o património do devedor.
Esta é a regra geral no que se refere aos bens que podem ser objeto da execução
(cf. art. 817.º do CCiv; art. 735.º, n.º 1, do nCPC).
Porém, também existem alguns casos,
especialmente previstos na lei, em que é admissível a penhora de bens de
terceiro: i) quando o terceiro tenha dado de garantia do crédito exequendo um
bem que lhe pertence; ii) quando a aquisição do bem seja objeto de uma
impugnação pauliana julgada procedente (art. 818.º do CCiv).
É, todavia, condição legal para que a execução possa
prosseguir para penhora e venda dos bens de terceiro que este tenha sido citado
(art. 735.º, n.º 2, parte final, do nCPC).
A ação de impugnação pauliana não visa
a declaração de nulidade ou a anulação dos negócios realizados pelo devedor.
Dirige-se, antes, a atos do devedor que não enfermam de qualquer vício.
Compreende-se, por isso, o regime previsto no art. 616.º, n.ºs 1 e 4, do CCiv
quanto aos efeitos da procedência da impugnação pauliana, pelo que, neste
sentido, esta impugnação pode ser caracterizada como uma ação pessoal.
O efeito decorrente da procedência da
impugnação pauliana não é, assim, a destruição do ato, mas apenas a inoponibilidade
do mesmo à execução na exata medida da necessidade satisfação da pretensão do
credor, mediante a mera ineficácia (situacional) desse ato. Tudo à semelhança do
que se estabelece no art. 819.º do CCiv quanto aos efeitos da penhora.
A procedência da impugnação pauliana tem como
resultado a possibilidade de o terceiro adquirente ser demandado numa execução,
isto é, a procedência da pauliana atribui legitimidade processual ao terceiro
adquirente do bem que foi objeto da impugnação para ser demandado na execução.
A intervenção do terceiro adquirente em sede executiva coloca, pois, um
problema de legitimidade processual, e não de (in)existência de título
executivo quanto a esse adquirente.
Considerando que a execução apenas pode
prosseguir para penhora e venda do bem que foi objeto da impugnação paulina se
a execução também seguir contra o titular deste bem, o que está em causa é a intervenção
do terceiro adquirente no processo de execução, mantendo-se como título
executivo o documento inicialmente dado à execução pelo credor. Não existe,
pois, uma substituição em nenhuma das partes da execução, porque o devedor não
deixa de estar vinculado à obrigação exequenda pelo facto de ter transmitido o
bem a terceiro, quer antes, quer depois da instauração da execução.
O credor pode demandar, em litisconsórcio
voluntário inicial, o devedor e o terceiro adquirente ou optar por demandar
inicialmente apenas este terceiro e só fazer intervir, de forma subsequente, o
devedor, se o valor do bem for insuficiente para o pagamento integral do
crédito exequendo. O credor pode ainda optar por demandar primeiro o devedor e
só depois requerer a intervenção principal do terceiro titular do bem, nos
termos dos arts. 316.º a 320.º do nCPC, se esse credor pretender penhorar e
vender o bem que foi objeto da impugnação pauliana para completa satisfação do
seu direito.
Não existe, contudo, nenhum ónus de o credor
exequente requerer a intervenção do terceiro adquirente, pelo que não fica
precludida a faculdade de esse credor instaurar uma nova ação executiva apenas
contra o titular do bem. A falta de intervenção do terceiro na execução inicial
apenas impede que a mesma prossiga para penhora e venda do bem que foi objeto
da impugnação pauliana.
Como não existe uma substituição de partes na
execução, o meio processual adequado para a demanda do terceiro adquirente é o
incidente da intervenção principal provocada desse terceiro, e não o incidente
de habilitação, porque não ocorre nenhuma transmissão da dívida para o terceiro
adquirente do bem (cfr. art. 262.º, al. a), do nCPC).
Na sequência do que se expôs, o terceiro é
parte legítima na execução quando o credor exequente pretenda executar o bem que
foi objeto da impugnação pauliana (cfr. art. 818.º do CCiv), podendo, na parte
restante, aplicar-se, por analogia, o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 54.º do nCPC.
A intervenção do terceiro é mesmo necessária como forma de evitar a previsível
oposição que este venha a deduzir à penhora do bem mediante embargos de
terceiro.
Porém, a intervenção processual do terceiro
adquirente, tendo em vista que o mesmo só é chamado à execução na qualidade de
titular do bem que se pretende vender, limita-se à fase da venda, podendo
exercer nesta fase os mesmos direitos que a lei reconhece ao executado.
Assim, tendo o agente de execução penhorado o
bem do terceiro adquirente, para que a execução possa prosseguir sobre o bem sobre
que incidiu a impugnação pauliana, o juiz, ao abrigo do disposto no n.º 1 do
art. 6.º e dos n.ºs 2 e 3 do art. 316.º do nCPC, pode convidar o credor exequente
a requerer a intervenção principal provocada do terceiro, seguindo-se os demais
termos deste incidente da instância, sob pena de a execução não poder
prosseguir quanto a esse bem. Tudo isto sem prejuízo de, se o credor exequente assim
o preferir, esse credor poder vir a instaurar uma futura execução apenas contra
o terceiro adquirente.
José Henrique Delgado Carvalho
(Juiz de Direito)