1. Numa aula de Mestrado leccionada em Cabo Verde suscitou-se a seguinte questão: atendendo a que o art. 566.º, n.º 3, CC estabelece que, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos – e se, portanto, não puder ser determinado, com exactidão, o valor da indemnização em dinheiro –, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, em que condições será possível que, no momento da liquidação de uma condenação genérica, se possa utilizar o mesmo critério para realizar essa liquidação? Durante análise, realizada na mesma aula, desta questão, surgiu uma outra: será que, tendo a parte formulado um pedido genérico, é possível que o tribunal da acção declarativa aplique, para liquidação da obrigação de indemnizar, o disposto no art. 566.º, n.º 3, CC e profira uma condenação numa quantia líquida?
Embora o regime da liquidação de uma condenação genérica não seja o mesmo no direito cabo-verdiano e no direito português, parece ser possível enunciar, em termos estruturais, uma solução comum para as questões acima formuladas. É a elas que se vai procurar responder.
2. O primeiro aspecto que há que ter presente é o de que o autor pode formular um pedido líquido ou um pedido genérico (quanto a esta última possibilidade, cf. art. 556.º CPC), dado que todos os desenvolvimentos posteriores dependem da escolha do autor por uma destas modalidades do pedido.
Se o autor formular um pedido líquido, há que considerar duas hipóteses alternativas entre si (e, portanto, mutuamente excludentes):
– 1.ª hipótese: o objecto da causa respeita a uma obrigação de indemnização, ou seja, refere-se a um caso de responsabilidade civil; nesta hipótese, é indiscutível a possibilidade de aplicação do disposto no art. 566.º, n.º 3, CC, pelo que o tribunal pode ultrapassar uma situação de non liquet fixando, segundo critérios de equidade, o montante da obrigação de indemnização; como é claro, nesta hipótese nada há a liquidar posteriormente, dado que o tribunal profere uma condenação líquida;
– 2.ª hipótese: o objecto da causa refere-se a qualquer outro objecto distinto de uma obrigação de indemnização; nesta situação, o tribunal não pode aplicar o disposto no art. 566.º, n.º 3, CC, mas, nos termos do estabelecido no art. 609.º, n.º 2, CPC, o tribunal pode condenar no que vier a ser liquidado posteriormente, sem prejuízo de uma condenação imediata na parte que já seja líquida; como, neste caso, o tribunal profere, total ou parcialmente, uma condenação genérica, há que determinar como se pode proceder à liquidação daquela condenação.
A resposta a esta questão encontra-se no art. 358.º, n.º 2, CPC: a forma de proceder à liquidação daquela condenação genérica é a dedução de um incidente de liquidação, considerando-se que, se a instância onde a condenação tiver sido proferida se encontrar entretanto extinta, aquela se renova. Deve acrescentar-se que, segundo o estabelecido no art. 704.º, n.º 6, CPC, a sentença de condenação genérica, se não for susceptível de ser liquidada mediante simples cálculo aritmético e se não respeitar a uma universalidade (cf. art. 716.º, n.º 7, CPC), não é sequer título executivo enquanto não for liquidada no processo declarativo (ou na instância renovada deste processo).
Esta última observação mostra que o regime legal é, na situação em análise, o seguinte: se o autor tiver formulado um pedido líquido e se o tribunal, usando a faculdade que lhe é concedida pelo art. 609.º, n.º 2, CPC, tiver proferido uma condenação genérica que não possa ser liquidada por simples cálculo aritmético ou que não se refira a uma universalidade, a sentença condenatória não é título executivo enquanto a obrigação não se encontrar liquidada. Não são claras as razões que justificam este regime, mas não há dúvida de que, em regra, o quadro é o seguinte: pedido líquido + condenação genérica → liquidação prévia à execução.
Também se pode concluir que, como a liquidação da condenação genérica proferida nos termos do art. 609.º, n.º 2, CPC não respeita a uma obrigação de indemnização, está excluído que nesta liquidação possa ser aplicado o art. 566.º, n.º 3, CC. Portanto, qualquer situação de non liquet que se verifique no incidente de liquidação tem de ser ultrapassado pela averiguação oficiosa do tribunal, nomeadamente com o recurso à prova pericial (cf. art. 360.º, n.º 4, CPC).
3. O autor também pode formular um pedido genérico, nomeadamente quando, de acordo com o disposto no art. 556.º, n.º 1, al. b), CPC, não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito ou quando o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o art. 569.º CC. Este preceito estabelece o seguinte: ”Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos”.
Correspondendo ao pedido genérico formulado pelo autor, o tribunal vai proferir uma condenação genérica. A correspondência entre o pedido (pelo autor) e o decidido (pelo tribunal) que se verifica neste caso dispensa a aplicação do disposto no art. 609.º, n.º 2, CPC, dado que este preceito destina-se a permitir que, tendo o autor formulado um pedido líquido, o tribunal venha a proferir uma condenação genérica. Em termos mais sintéticos: o art. 609.º, n.º 2, CPC é indispensável para evitar uma nulidade da decisão por falta de correspondência entre o pedido e o decidido (cf. art. 615.º, n.º 1, al. e), CPC), pelo que nunca é aplicável quando o autor tenha formulado inicialmente um pedido genérico.
O problema subsequente a resolver é o de determinar como se procede à liquidação da condenação genérica proferida pelo tribunal em correspondência com o pedido genérico formulado pelo autor. Os dados relevantes do direito positivo são os seguintes: o art. 358.º, n.º 2, CPC só permite a liquidação depois da extinção da instância declarativa no caso de a condenação genérica ter sido proferida ao abrigo do art. 609.º, n.º 2, CPC; como não é esse o caso (recorde-se que o pedido inicial foi genérico e que o tribunal proferiu uma correspondente condenação genérica), há que aplicar o estabelecido no art. 716.º, n.º 1 e 5, CPC e, portanto, proceder à liquidação no âmbito da acção executiva. Em esquema: pedido genérico + condenação genérica → liquidação na execução.
É neste contexto que se pode discutir se, na liquidação de uma indemnização (e só de uma indemnização) realizada na acção executiva, é possível aplicar o disposto no art. 566.º, n.º 3, CC. O n.º 5 do art. 716.º CPC manda aplicar à liquidação de condenações genéricas o disposto no n.º 4 do mesmo preceito; desta remissão decorre que um non liquet em matéria do montante dos danos indemnizáveis e da correspondente indemnização deve ser ultrapassado mediante a aplicação do disposto no art. 360.º, n.º 4, CPC, ou seja, mediante a indagação oficiosa do tribunal (nomeadamente, com a ajuda de prova pericial).
Significa isto que é mesmo impossível aplicar o art. 566.º, n.º 3, CC numa liquidação realizada na acção executiva? Não parece que assim tenha de concluir-se. O art. 360.º, n.º 4, CPC contém o critério geral de resolução de um non liquet num incidente de liquidação, mas, exactamente porque assim é, nada obsta a que nesse incidente se possa aplicar, como critério especial, aquele que é enunciado no art. 566.º, n.º 3, CC. Apenas é indispensável – porque é esse o campo de aplicação do art. 566.º, n.º 3, CC – que a liquidação respeite a uma indemnização decorrente de responsabilidade civil.
4. Se o autor formular um pedido genérico no âmbito de uma acção de responsabilidade civil, pode perguntar-se se o tribunal da acção declarativa, fazendo uso do disposto no art. 566.º, n.º 3, CC, pode vir a condenar o réu numa quantia líquida (ou, mais em concreto, na quantia que o tribunal apure segundo um critério de equidade). A resposta parecer ter de ser negativa pelas seguintes razões:
– O art. 566.º, n.º 3, CC destina-se a resolver um non liquet sobre o montante da indemnização em dinheiro, não a permitir uma disparidade entre o pedido genérico do autor e a condenação líquida pelo tribunal; é, aliás, esta a diferença entre o art. 566.º, n.º 3, CC e o art. 609.º, n.º 2, CPC;
– Quando o autor formula um pedido genérico numa acção de responsabilidade civil, não tem o ónus de alegar os factos que permitam a quantificação dos danos e da correspondente indemnização: é o que resulta do disposto no art. 569.º CC; logo, não é sequer possível que na acção pendente se verifique um non liquet sobre o montante da indemnização, pois que este montante não constitui objecto da causa e, por isso, não pode vir a tornar-se tema da prova;
– Por fim, a aplicação do disposto no art. 566.º, n.º 3, CC e a determinação do montante da indemnização segundo um critério de equidade pelo tribunal da acção traduzir-se-iam numa penalização do autor, dado que esta parte ficaria impossibilitada de, numa liquidação posterior, demonstrar, com base em factos não alegados na acção, o real montante dos danos e a quantia exacta da correspondente indemnização.
MTS
Embora o regime da liquidação de uma condenação genérica não seja o mesmo no direito cabo-verdiano e no direito português, parece ser possível enunciar, em termos estruturais, uma solução comum para as questões acima formuladas. É a elas que se vai procurar responder.
2. O primeiro aspecto que há que ter presente é o de que o autor pode formular um pedido líquido ou um pedido genérico (quanto a esta última possibilidade, cf. art. 556.º CPC), dado que todos os desenvolvimentos posteriores dependem da escolha do autor por uma destas modalidades do pedido.
Se o autor formular um pedido líquido, há que considerar duas hipóteses alternativas entre si (e, portanto, mutuamente excludentes):
– 1.ª hipótese: o objecto da causa respeita a uma obrigação de indemnização, ou seja, refere-se a um caso de responsabilidade civil; nesta hipótese, é indiscutível a possibilidade de aplicação do disposto no art. 566.º, n.º 3, CC, pelo que o tribunal pode ultrapassar uma situação de non liquet fixando, segundo critérios de equidade, o montante da obrigação de indemnização; como é claro, nesta hipótese nada há a liquidar posteriormente, dado que o tribunal profere uma condenação líquida;
– 2.ª hipótese: o objecto da causa refere-se a qualquer outro objecto distinto de uma obrigação de indemnização; nesta situação, o tribunal não pode aplicar o disposto no art. 566.º, n.º 3, CC, mas, nos termos do estabelecido no art. 609.º, n.º 2, CPC, o tribunal pode condenar no que vier a ser liquidado posteriormente, sem prejuízo de uma condenação imediata na parte que já seja líquida; como, neste caso, o tribunal profere, total ou parcialmente, uma condenação genérica, há que determinar como se pode proceder à liquidação daquela condenação.
A resposta a esta questão encontra-se no art. 358.º, n.º 2, CPC: a forma de proceder à liquidação daquela condenação genérica é a dedução de um incidente de liquidação, considerando-se que, se a instância onde a condenação tiver sido proferida se encontrar entretanto extinta, aquela se renova. Deve acrescentar-se que, segundo o estabelecido no art. 704.º, n.º 6, CPC, a sentença de condenação genérica, se não for susceptível de ser liquidada mediante simples cálculo aritmético e se não respeitar a uma universalidade (cf. art. 716.º, n.º 7, CPC), não é sequer título executivo enquanto não for liquidada no processo declarativo (ou na instância renovada deste processo).
Esta última observação mostra que o regime legal é, na situação em análise, o seguinte: se o autor tiver formulado um pedido líquido e se o tribunal, usando a faculdade que lhe é concedida pelo art. 609.º, n.º 2, CPC, tiver proferido uma condenação genérica que não possa ser liquidada por simples cálculo aritmético ou que não se refira a uma universalidade, a sentença condenatória não é título executivo enquanto a obrigação não se encontrar liquidada. Não são claras as razões que justificam este regime, mas não há dúvida de que, em regra, o quadro é o seguinte: pedido líquido + condenação genérica → liquidação prévia à execução.
Também se pode concluir que, como a liquidação da condenação genérica proferida nos termos do art. 609.º, n.º 2, CPC não respeita a uma obrigação de indemnização, está excluído que nesta liquidação possa ser aplicado o art. 566.º, n.º 3, CC. Portanto, qualquer situação de non liquet que se verifique no incidente de liquidação tem de ser ultrapassado pela averiguação oficiosa do tribunal, nomeadamente com o recurso à prova pericial (cf. art. 360.º, n.º 4, CPC).
3. O autor também pode formular um pedido genérico, nomeadamente quando, de acordo com o disposto no art. 556.º, n.º 1, al. b), CPC, não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito ou quando o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o art. 569.º CC. Este preceito estabelece o seguinte: ”Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos”.
Correspondendo ao pedido genérico formulado pelo autor, o tribunal vai proferir uma condenação genérica. A correspondência entre o pedido (pelo autor) e o decidido (pelo tribunal) que se verifica neste caso dispensa a aplicação do disposto no art. 609.º, n.º 2, CPC, dado que este preceito destina-se a permitir que, tendo o autor formulado um pedido líquido, o tribunal venha a proferir uma condenação genérica. Em termos mais sintéticos: o art. 609.º, n.º 2, CPC é indispensável para evitar uma nulidade da decisão por falta de correspondência entre o pedido e o decidido (cf. art. 615.º, n.º 1, al. e), CPC), pelo que nunca é aplicável quando o autor tenha formulado inicialmente um pedido genérico.
O problema subsequente a resolver é o de determinar como se procede à liquidação da condenação genérica proferida pelo tribunal em correspondência com o pedido genérico formulado pelo autor. Os dados relevantes do direito positivo são os seguintes: o art. 358.º, n.º 2, CPC só permite a liquidação depois da extinção da instância declarativa no caso de a condenação genérica ter sido proferida ao abrigo do art. 609.º, n.º 2, CPC; como não é esse o caso (recorde-se que o pedido inicial foi genérico e que o tribunal proferiu uma correspondente condenação genérica), há que aplicar o estabelecido no art. 716.º, n.º 1 e 5, CPC e, portanto, proceder à liquidação no âmbito da acção executiva. Em esquema: pedido genérico + condenação genérica → liquidação na execução.
É neste contexto que se pode discutir se, na liquidação de uma indemnização (e só de uma indemnização) realizada na acção executiva, é possível aplicar o disposto no art. 566.º, n.º 3, CC. O n.º 5 do art. 716.º CPC manda aplicar à liquidação de condenações genéricas o disposto no n.º 4 do mesmo preceito; desta remissão decorre que um non liquet em matéria do montante dos danos indemnizáveis e da correspondente indemnização deve ser ultrapassado mediante a aplicação do disposto no art. 360.º, n.º 4, CPC, ou seja, mediante a indagação oficiosa do tribunal (nomeadamente, com a ajuda de prova pericial).
Significa isto que é mesmo impossível aplicar o art. 566.º, n.º 3, CC numa liquidação realizada na acção executiva? Não parece que assim tenha de concluir-se. O art. 360.º, n.º 4, CPC contém o critério geral de resolução de um non liquet num incidente de liquidação, mas, exactamente porque assim é, nada obsta a que nesse incidente se possa aplicar, como critério especial, aquele que é enunciado no art. 566.º, n.º 3, CC. Apenas é indispensável – porque é esse o campo de aplicação do art. 566.º, n.º 3, CC – que a liquidação respeite a uma indemnização decorrente de responsabilidade civil.
4. Se o autor formular um pedido genérico no âmbito de uma acção de responsabilidade civil, pode perguntar-se se o tribunal da acção declarativa, fazendo uso do disposto no art. 566.º, n.º 3, CC, pode vir a condenar o réu numa quantia líquida (ou, mais em concreto, na quantia que o tribunal apure segundo um critério de equidade). A resposta parecer ter de ser negativa pelas seguintes razões:
– O art. 566.º, n.º 3, CC destina-se a resolver um non liquet sobre o montante da indemnização em dinheiro, não a permitir uma disparidade entre o pedido genérico do autor e a condenação líquida pelo tribunal; é, aliás, esta a diferença entre o art. 566.º, n.º 3, CC e o art. 609.º, n.º 2, CPC;
– Quando o autor formula um pedido genérico numa acção de responsabilidade civil, não tem o ónus de alegar os factos que permitam a quantificação dos danos e da correspondente indemnização: é o que resulta do disposto no art. 569.º CC; logo, não é sequer possível que na acção pendente se verifique um non liquet sobre o montante da indemnização, pois que este montante não constitui objecto da causa e, por isso, não pode vir a tornar-se tema da prova;
– Por fim, a aplicação do disposto no art. 566.º, n.º 3, CC e a determinação do montante da indemnização segundo um critério de equidade pelo tribunal da acção traduzir-se-iam numa penalização do autor, dado que esta parte ficaria impossibilitada de, numa liquidação posterior, demonstrar, com base em factos não alegados na acção, o real montante dos danos e a quantia exacta da correspondente indemnização.
MTS