Responsabilidade civil do Estado pelo exercício da função jurisdicional;
revogação prévia da decisão danosa
1. O sumário de STJ 24/2/2015 (2210/12.9TVLSB.L1.S1) é o seguinte:
I - Apesar da falta de regulamentação própria, desde há muito se vinha afirmando a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional (fora dos casos específicos da jurisdição penal), com fundamento no art. 22.º da CRP, que se considerava de aplicação directa, sem carecer de mediação normativa para poder ser invocado.
II - O regime aprovado pela Lei n.º 62/2007, de 31-12, concretiza o princípio consagrado no citado art. 22.º [da CRP] sobre a responsabilidade do Estado e demais entidades públicas, considerando as suas diferentes funções: administrativa, jurisdicional e político-legislativa.
III - No que concerne à função jurisdicional, o referido regime distingue os danos ilicitamente causados pela administração da justiça (com destaque para a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável – art. 12.º) e os danos decorrentes de "erro judiciário", que pode consistir num erro de direito ou num erro de facto (art. 13.º, n.º 1).
IV - O erro de direito deve ser manifestamente inconstitucional ou ilegal: não basta a mera existência de inconstitucionalidade ou ilegalidade, devendo tratar-se de erro evidente, crasso e indesculpável de qualificação, subsunção ou aplicação de uma norma jurídica; o erro de facto deve ser clamoroso e grosseiro, no que toca à admissão e valoração dos meios de prova e à fixação dos factos materiais da causa.
V - Todavia, o erro de julgamento deve ser demonstrado no próprio processo judicial em que foi cometido e através dos meios de impugnação que forem aí admissíveis; não na acção de responsabilidade em que se pretenda efectivar o direito de indemnização.
VI - Se não se fizer essa prova da revogação da decisão que tenha incorrido em erro judiciário (art. 13.º, n.º 2, do citado Regime), não será possível considerar verificada a ilicitude, pelo que a acção deve necessariamente improceder.
VII - Apesar do seu carácter restritivo, o referido regime não cerceia arbitrária e desproporcionadamente o princípio da responsabilidade do Estado nem o princípio da igualdade consagrados na Constituição (arts. 22.º e 13.º, respectivamente).
2. Sobre a necessidade da revogação da decisão em que, alegadamente, tenha sido praticado o erro judiciário, afirma-se, na fundamentação do acórdão, o seguinte:
II - O regime aprovado pela Lei n.º 62/2007, de 31-12, concretiza o princípio consagrado no citado art. 22.º [da CRP] sobre a responsabilidade do Estado e demais entidades públicas, considerando as suas diferentes funções: administrativa, jurisdicional e político-legislativa.
III - No que concerne à função jurisdicional, o referido regime distingue os danos ilicitamente causados pela administração da justiça (com destaque para a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável – art. 12.º) e os danos decorrentes de "erro judiciário", que pode consistir num erro de direito ou num erro de facto (art. 13.º, n.º 1).
IV - O erro de direito deve ser manifestamente inconstitucional ou ilegal: não basta a mera existência de inconstitucionalidade ou ilegalidade, devendo tratar-se de erro evidente, crasso e indesculpável de qualificação, subsunção ou aplicação de uma norma jurídica; o erro de facto deve ser clamoroso e grosseiro, no que toca à admissão e valoração dos meios de prova e à fixação dos factos materiais da causa.
V - Todavia, o erro de julgamento deve ser demonstrado no próprio processo judicial em que foi cometido e através dos meios de impugnação que forem aí admissíveis; não na acção de responsabilidade em que se pretenda efectivar o direito de indemnização.
VI - Se não se fizer essa prova da revogação da decisão que tenha incorrido em erro judiciário (art. 13.º, n.º 2, do citado Regime), não será possível considerar verificada a ilicitude, pelo que a acção deve necessariamente improceder.
VII - Apesar do seu carácter restritivo, o referido regime não cerceia arbitrária e desproporcionadamente o princípio da responsabilidade do Estado nem o princípio da igualdade consagrados na Constituição (arts. 22.º e 13.º, respectivamente).
2. Sobre a necessidade da revogação da decisão em que, alegadamente, tenha sido praticado o erro judiciário, afirma-se, na fundamentação do acórdão, o seguinte:
[...] Tem de reconhecer-se que a norma do art. 13.º, n.º 2, do RRCEE [...] – afastando o exercício do direito de indemnização nos casos em que não seja possível a prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente –, comporta uma compressão do princípio consagrado no art. 22.º da CRP, restringindo o direito subjectivo de reparação que, como se referiu, se entende conferido directamente por esta norma.
Apesar disso, é reconhecida ao legislador ordinário uma larga margem de conformação quanto à densificação da norma do referido art. 22.º, mormente no que toca à definição dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado[...].
Por outro lado, será de admitir a aludida compressão pela necessidade de compatibilizar o referido regime de responsabilidade com outras normas constitucionais, para salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos (cfr. art. 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP), como adiante se verá.
É certo que, como tem sido sublinhado, a referida liberdade de conformação do legislador tem de "atender ao sentido da norma de proibição que o art. 22.º também transporta e que se traduz na garantia deresponsabilidade directa do Estado e das demais entidades públicas […], sendo vedado ao legislador excluir, por via de lei, essa garantia". Ou seja, a lei não pode restringir "arbitrária ou desproporcionadamente" o direito fundamental à reparação dos danos consagrado no art. 22.º[...].
Não é esta, porém, a situação que decorre da exigência do pressuposto previsto no art. 13.º, n.º 2, do RRCEE.
Recorde-se que, como se prescreve no n.º 1 desse preceito, o erro de direito deve ser manifesto e, por isso, especialmente qualificado e intenso e, por outro lado, o erro na apreciação dos pressupostos de facto deve ser grosseiro.
Ora, qualquer destas situações é sanável, podendo o erro ser reparado ou eliminado através do competente recurso ordinário da decisão. Será este, como acima referimos, o instrumento normal para superar a incorrecção da decisão judicial, não a acção de responsabilidade.
Mas, mesmo que a decisão danosa seja irrecorrível – em razão da alçada ou por o tribunal decidir em última instância[...] –, é ainda admitida amplamente a possibilidade de reparação do erro. Com efeito, nos termos do art. 616,º n.º, 2 do CPC, qualquer das partes pode requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou quando constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
Por outro lado, pode o erro de direito consistir na aplicação de norma tida por inconstitucional (com infracção do disposto na Constituição ou dos princípios nela consignados – art. 204.º). Mas de tal decisão pode ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional (art. 280.º, n.º 1, b), da CRP) que, em caso de procedência, pode revogar a decisão recorrida quanto à questão de constitucionalidade e ordenar que o tribunal recorrido proceda à reforma dessa decisão para se conformar com a decisão daquele Tribunal quanto à questão de constitucionalidade (art. 80,º, n.º 2, da LTC).
Não é de excluir, por fim, a relevância do recurso extraordinário de revisão, como meio de obtenção da revogação da decisão jurisdicional danosa, nas situações previstas nas als. d) – se a confissão não era no caso admissível --, e) – nulidade ou falta de citação que o juiz tem de verificar -- e f) – no caso de erro por violação do direito europeu -- do art. 696.º do CPC[...].
Mas, como se afirmou, a compressão do princípio consagrado no art. 22.º da CRP é resultado também da necessidade de harmonizar o regime de responsabilidade com outros preceitos constitucionais, como é o caso dos que respeitam à função jurisdicional, em especial no que toca à independência dos tribunais e à força do caso julgado.
Aos tribunais incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses (art. 202.º, n.º 2, da CRP) e tais competências só podem ser prosseguidas se houver independência dos tribunais (art. 203.º) – a implicar o princípio da irresponsabilidade do juiz pelas suas decisões (art. 216.º n.º 2) –, e se os litígios forem definitivamente resolvidos por decisões dotadas de especial autoridade e estabilidade (art. 205.º, n.º 2, da CRP).
Daí que, quanto aos pressupostos substanciais de responsabilidade, se impusesse um regime particularmente cauteloso, como acima se notou.
Mas, por outro lado, como também se sublinhou, o tribunal diz o direito do caso e a sua declaração perdura plenamente válida se e enquanto não for revogada. Assim, "nenhum outro órgão pode invocar a lei para contestar a solução dada ao caso, pois o sentido dessa lei nas circunstâncias do caso concreto não lhe cabe a ele defini-la, mas sim ao tribunal com competência para decidir o caso"[...].
Compreende-se, por conseguinte, que, não tendo sido impugnada a decisão, ela não possa posteriormente vir a ser desautorizada por outro tribunal, porventura, como se disse, de diversa jurisdição ou da mesma jurisdição mas de grau inferior, o que representaria o aludido ilogismo institucional, com derrogação da estrutura hierárquica judicial[...], e postergaria, bem assim, a segurança e certeza jurídica do caso julgado.
Caso julgado que se toma aqui, não no sentido próprio da excepção de caso julgado, por ser evidente a falta de identidade objectiva e subjectiva entre as duas acções (acção em que foi proferida a decisão e acção de indemnização), mas com o significado mais amplo acima apontado, de a decisão alegadamente danosa dizer o direito do caso, resolvendo definitivamente a questão concreta que lhe foi submetida para apreciação[...].
Do que fica exposto, decorre que o regime do art. 13.º, n.º 2, do RRCEE, ao pressupor a prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, não exclui, nem cerceia arbitrária e desproporcionadamente o princípio da responsabilidade do Estado, consagrado no art. 22.º da CRP, não violando esta norma.
3. No site da PGDL encontra-se não só o texto da L 67/2007, de 31/12 ("RRCEE"), mas também uma série de informações úteis.
MTS
Apesar disso, é reconhecida ao legislador ordinário uma larga margem de conformação quanto à densificação da norma do referido art. 22.º, mormente no que toca à definição dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado[...].
Por outro lado, será de admitir a aludida compressão pela necessidade de compatibilizar o referido regime de responsabilidade com outras normas constitucionais, para salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos (cfr. art. 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP), como adiante se verá.
É certo que, como tem sido sublinhado, a referida liberdade de conformação do legislador tem de "atender ao sentido da norma de proibição que o art. 22.º também transporta e que se traduz na garantia deresponsabilidade directa do Estado e das demais entidades públicas […], sendo vedado ao legislador excluir, por via de lei, essa garantia". Ou seja, a lei não pode restringir "arbitrária ou desproporcionadamente" o direito fundamental à reparação dos danos consagrado no art. 22.º[...].
Não é esta, porém, a situação que decorre da exigência do pressuposto previsto no art. 13.º, n.º 2, do RRCEE.
Recorde-se que, como se prescreve no n.º 1 desse preceito, o erro de direito deve ser manifesto e, por isso, especialmente qualificado e intenso e, por outro lado, o erro na apreciação dos pressupostos de facto deve ser grosseiro.
Ora, qualquer destas situações é sanável, podendo o erro ser reparado ou eliminado através do competente recurso ordinário da decisão. Será este, como acima referimos, o instrumento normal para superar a incorrecção da decisão judicial, não a acção de responsabilidade.
Mas, mesmo que a decisão danosa seja irrecorrível – em razão da alçada ou por o tribunal decidir em última instância[...] –, é ainda admitida amplamente a possibilidade de reparação do erro. Com efeito, nos termos do art. 616,º n.º, 2 do CPC, qualquer das partes pode requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou quando constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
Por outro lado, pode o erro de direito consistir na aplicação de norma tida por inconstitucional (com infracção do disposto na Constituição ou dos princípios nela consignados – art. 204.º). Mas de tal decisão pode ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional (art. 280.º, n.º 1, b), da CRP) que, em caso de procedência, pode revogar a decisão recorrida quanto à questão de constitucionalidade e ordenar que o tribunal recorrido proceda à reforma dessa decisão para se conformar com a decisão daquele Tribunal quanto à questão de constitucionalidade (art. 80,º, n.º 2, da LTC).
Não é de excluir, por fim, a relevância do recurso extraordinário de revisão, como meio de obtenção da revogação da decisão jurisdicional danosa, nas situações previstas nas als. d) – se a confissão não era no caso admissível --, e) – nulidade ou falta de citação que o juiz tem de verificar -- e f) – no caso de erro por violação do direito europeu -- do art. 696.º do CPC[...].
Mas, como se afirmou, a compressão do princípio consagrado no art. 22.º da CRP é resultado também da necessidade de harmonizar o regime de responsabilidade com outros preceitos constitucionais, como é o caso dos que respeitam à função jurisdicional, em especial no que toca à independência dos tribunais e à força do caso julgado.
Aos tribunais incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses (art. 202.º, n.º 2, da CRP) e tais competências só podem ser prosseguidas se houver independência dos tribunais (art. 203.º) – a implicar o princípio da irresponsabilidade do juiz pelas suas decisões (art. 216.º n.º 2) –, e se os litígios forem definitivamente resolvidos por decisões dotadas de especial autoridade e estabilidade (art. 205.º, n.º 2, da CRP).
Daí que, quanto aos pressupostos substanciais de responsabilidade, se impusesse um regime particularmente cauteloso, como acima se notou.
Mas, por outro lado, como também se sublinhou, o tribunal diz o direito do caso e a sua declaração perdura plenamente válida se e enquanto não for revogada. Assim, "nenhum outro órgão pode invocar a lei para contestar a solução dada ao caso, pois o sentido dessa lei nas circunstâncias do caso concreto não lhe cabe a ele defini-la, mas sim ao tribunal com competência para decidir o caso"[...].
Compreende-se, por conseguinte, que, não tendo sido impugnada a decisão, ela não possa posteriormente vir a ser desautorizada por outro tribunal, porventura, como se disse, de diversa jurisdição ou da mesma jurisdição mas de grau inferior, o que representaria o aludido ilogismo institucional, com derrogação da estrutura hierárquica judicial[...], e postergaria, bem assim, a segurança e certeza jurídica do caso julgado.
Caso julgado que se toma aqui, não no sentido próprio da excepção de caso julgado, por ser evidente a falta de identidade objectiva e subjectiva entre as duas acções (acção em que foi proferida a decisão e acção de indemnização), mas com o significado mais amplo acima apontado, de a decisão alegadamente danosa dizer o direito do caso, resolvendo definitivamente a questão concreta que lhe foi submetida para apreciação[...].
Do que fica exposto, decorre que o regime do art. 13.º, n.º 2, do RRCEE, ao pressupor a prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, não exclui, nem cerceia arbitrária e desproporcionadamente o princípio da responsabilidade do Estado, consagrado no art. 22.º da CRP, não violando esta norma.
3. No site da PGDL encontra-se não só o texto da L 67/2007, de 31/12 ("RRCEE"), mas também uma série de informações úteis.
MTS