Competência material; tribunais do trabalho;
acidente de serviço; trabalhador dos CTT
1. O sumário de RP 1/2/2016 (288/15.2T8VFR.P1) é o seguinte:
Os tribunais do trabalho são materialmente incompetentes para conhecer e decidir de acções emergentes de acidentes de serviço ocorridos no âmbito de uma relação de trabalho entre os CTT e um trabalhador subordinado dessa empresa que já o era à data da sua conversão em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e que é subscritor da Caixa Geral de Aposentações.
2. Da fundamentação do acórdão consta o seguinte:
"[...] o acidente a que os autos se reportam deve ser qualificado como acidente de serviço, nos termos e para os efeitos do DL 503/1999, de 20/11, na redacção em vigor à data do acidente (Lei 64-A/2008, de 31/12, e Lei 59/2008, de 11/09.
Ora, “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais" (art. 211º/1 da Constituição da República Portuguesa – CRP – onde se consagra o princípio da plenitude da jurisdição comum).
“Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.” – art. 40º/1 da Lei 62/2013, de 26/8 (LOSJ); no mesmíssimo sentido estatuiu o art. 64º do NCPC.
Do estatuído nas normas antecedentemente aludidas resulta que a competência dos tribunais judiciais é definida por exclusão ou residualmente, no sentido de que a mesma só se regista se e quando as normas disciplinadoras da competência dos demais órgãos jurisdicionais lhes não determinarem o conhecimento da questão que estiver concretamente em equação.
Ora, nos termos da LOSJ, compete às secções do trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, estando por isso afastada a respectiva competência para conhecer das questões referentes aos acidentes de serviço – art. 126º/1/c.
Aos tribunais administrativos compete o conhecimento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas - art. 212º/3 CRP.
Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais – art. 1º/1 do ETAF (Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro, na versão actual); cfr., também, art. 144º/1 da LOSJ.
Compete-lhes, designadamente, a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas à tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais – art. 4º/1/a do ETAF.
A significar que os tribunais administrativos são os tribunais ordinários da jurisdição administrativa, competindo-lhes o exercício da justiça administrativa, ou seja, o julgamento dos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, não podendo, em princípio, os litígios emergentes de relações dessa natureza ser dirimidos por outros tribunais (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., p. 814).
Segundo Fernandes Cadilha, “Por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intra-administrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter-orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem”[Dicionário de Contencioso Administrativo, Coimbra, 2007, pp. 117-118.].
As relações jurídicas administrativas são as reguladas por normas de direito administrativo, ou seja, “normas que regulam as relações estabelecidas entre a Administração e os particulares no desempenho da atividade administrativa de gestão pública” (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, p. 134), ou, segundo a jurisprudência do Pleno do STA e do Tribunal dos Conflitos, “os vínculos que intercedem entre a Administração e os particulares (ou entre entidades administrativas distintas) emergentes do exercício da função administrativa” (acórdão do Pleno do STA de 16/4/97, proferido no recurso 31.873, e acórdão do Tribunal dos Conflitos de 28/11/2000, proferido no processo 345).
A reparação devida pelos acidentes em serviço é da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações – arts. 34º e ss do DL 503/1999, de 20/11.
Como assim, devendo o acidente a que os autos se reportam sujeitar-se ao regime de reparação infortunística dos acidentes em serviço, tal reparação deve ser exigida da Caixa Geral de Aposentações.
A Caixa Geral de Aposentações é um instituto público de regime especial, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio (art. 1º/1 do DL 131/2012, de 25/6), exercendo, pois e no âmbito daquela reparação infortunística, uma função de natureza tipicamente administrativa.
De tudo flui, pois, que a relação jurídica com fundamento na qual o sinistrado pretende ver reconhecido o direito à reparação infortunística a que se arroga deve qualificar-se como tendo natureza jurídico-administrativa intersubjectiva.
A tutela desse direito é, pois, da competência dos tribunais administrativos e fiscais (art. 4º/1/a do ETAF), tal como decidido pelo tribunal recorrido, sem razões para censura [Neste sentido, por consultar-se, também, acórdãos da Relação de Coimbra de 17/7/2008, proferido no processo 452/07.8TTAGD.C1, e de 29/5/2008, proferido no processo 280/07.0TTCBR.C1]."
MTS