Reg. 44/2001; pactos de jurisdição
I. O sumário de STJ 4/2/2016 (536/14.6TVLSB.L1.S1) é o seguinte:
1. Considera-se claro e evidente, face ao relevo que o Direito Comunitário e a jurisprudência do TJ vêm conferindo à autonomia da vontade das partes na estipulação da competência internacional, que bastam como elementos de estraneidade do litígio sujeito a pacto de jurisdição o local possível de cumprimento de obrigações contratuais, a submissão, no exercício da autonomia da vontade das partes, da substância do litígio a um direito material estrangeiro e a conexão – senão jurídica, ao menos funcional e económica - dos contratos de derivados financeiros celebrados por contraentes sediados em Portugal a contratos de mútuo bancário de contexto claramente internacional – determinando a ponderação global de todos esses elementos de internacionalidade que a relação contratual em litígio não possa qualificar-se como relação puramente interna, susceptível de obstar à aplicação da disciplina contida no art. 23º do Regulamento 44/2001.
2. Na verdade, qualquer interpretação, desproporcionadamente exigente, que levasse a condicionar o exercício da autonomia da vontade à existência de uma ligação profunda do litígio à ordem jurisdicional a que se atribui competência para dele conhecer, estabelecida apenas com base na verificação dos elementos típicos que normalmente ( não havendo pacto de jurisdição) relevam no estabelecimento do tribunal internacionalmente competente, implicaria uma desproporcional restrição ao princípio da autonomia da vontade, condicionando-a muito para lá do que seria razoável e adequado: mesmo que se entenda que não deve bastar, como elemento exclusivo de estraneidade, a mera celebração de um pacto de jurisdição, este ficará sujeito à disciplina do art. 23º desde que a relação controvertida , valorada globalmente, apresente indícios minimamente consistentes de transnacionalidade, que obstem à sua qualificação como relação jurídica meramente interna.
3. De acordo com a doutrina contida no Acórdão Cilfit de 6/10/82, considera-se dispensável a suscitação, em reenvio prejudicial, da questão interpretativa quanto à norma do art. 23º do Regulamento 44/2001, uma vez que:
- a questão de interpretação normativa que seria pertinente formular (saber se o pacto de jurisdição não constitui, só por si, elemento de estraneidade susceptível de despoletar a aplicação da disciplina contida no Regulamento) não é necessária nem pertinente para o julgamento do litígio principal, já que a matéria a este subjacente revela de forma evidente outros elementos de internacionalidade;
- ponderada a jurisprudência reiterada do TJ e a funcionalidade e teleologia das normas comunitárias que prevêem a relevância da autonomia da vontade das partes na estipulação da competência internacional, não subsiste qualquer dúvida razoável quanto à suficiência dos referidos elementos de estraneidade da relação, considerando-se, por isso, claro e evidente que uma relação contratual com tal configuração não pode perspectivar-se como constituindo uma relação puramente interna, susceptível de afastar a aplicabilidade da norma contida no citado art. 23º do Regulamento 44/2001.
4. Perante o regime do Regulamento n.º 44/2001, para que a escolha do tribunal seja válida é desnecessário que exista qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado a que o direito interno confira relevo.
5. A validade do pacto de jurisdição, constante de uma cláusula contratual integrada num contrato de swap celebrado entre uma empresa pública regional e determinado banco, em que foi aquela a propor ao banco as cláusulas que integram os contratos em litígio, objecto, aliás, de um específico procedimento negocial, em que a dita empresa foi coadjuvada por outra entidade bancária, é analisada, exclusivamente segundo o disposto no art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, sendo inaplicável o regime jurídico interno das cláusulas contratuais gerais.
II. O acórdão do STJ é irrepreensível. Salienta-se apenas um aspecto: toda a atribuição de competência a um tribunal de um Estado-membro através de uma convenção celebrada por uma parte domiciliada num destes Estados era regulada, dentro do respectivo âmbito de aplicação, pelo disposto no art. 23.º Reg. 44/2001. Só assim podia ser uniforme o regime da competência convencional no âmbito da UE, evitando-se que a validade do pacto pudesse ser apreciada pelo direito interno do Estado de origem ou do Estado competente. Portanto, não tem sentido pretender analisar pelo direito português a validade de um pacto de jurisdição que atribui competência ao tribunal de um outro Estado-membro (tal como, aliás, não tem sentido analisar essa mesma validade pelo direito interno do Estado designado).
O regime mantém-se no art. 25.º, n.º 1, Reg. 1215/2012, bastando agora, para a aplicação do regime europeu, que quaisquer partes, mesmo não domiciliadas em Estados-membros, atribuam competência ao tribunal de um Estado-membro. Assim, num Estado-membro (como Portugal), o regime dessa competência é sempre apreciada pelo regime europeu. Noutros termos: mesmo quando a competência seja atribuída ou retirada por partes não domiciliadas num Estado-membro, a validade do pacto é apreciada, em qualquer destes Estados, pelo regime europeu, sendo irrelevante quer o direito do lugar de celebração do pacto, quer o direito do domicílio ou da nacionalidade das partes.
Em conclusão: no âmbito de aplicação do Reg, 1215/2012 apenas é aplicável aos pactos de jurisdição o disposto no seu art. 25.º, não sendo possível aplicar nenhum regime extraído do direito interno dos Estados-membros.
MTS