Diret. 93/13/CEE – Contratos celebrados entre profissionais e consumidores – Contratos de mútuo hipotecário – Cláusula de taxa mínima – Exame da cláusula com vista à declaração da sua invalidade – Processo colectivo – Acção inibitória – Suspensão do processo individual com o mesmo objecto
1. TJ 14/4/2016 (C‑381/14 e C‑385/14, Sales Sinués/Caixabank (C-381/14) e Drame Ba/Catalunya Caixa (C-385/14)) decidiu o seguinte:
O artigo 7.º da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa nos processos principais, que impõe ao tribunal nacional chamado a pronunciar‑se numa ação individual de um consumidor para declarar o caráter abusivo de uma cláusula de um contrato que o liga a um profissional, a suspensão automática dessa ação até ao trânsito em julgado de uma decisão proferida numa ação coletiva pendente, intentada por uma associação de consumidores com base no segundo parágrafo do referido artigo, a fim de pôr termo à utilização, em contratos do mesmo tipo, de cláusulas análogas à visada pela referida ação individual, sem que a pertinência dessa suspensão do ponto de vista da proteção do consumidor que recorreu ao tribunal a título individual possa ser tida em consideração e sem que esse consumidor possa desvincular se da ação coletiva.
O artigo 7.º da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa nos processos principais, que impõe ao tribunal nacional chamado a pronunciar‑se numa ação individual de um consumidor para declarar o caráter abusivo de uma cláusula de um contrato que o liga a um profissional, a suspensão automática dessa ação até ao trânsito em julgado de uma decisão proferida numa ação coletiva pendente, intentada por uma associação de consumidores com base no segundo parágrafo do referido artigo, a fim de pôr termo à utilização, em contratos do mesmo tipo, de cláusulas análogas à visada pela referida ação individual, sem que a pertinência dessa suspensão do ponto de vista da proteção do consumidor que recorreu ao tribunal a título individual possa ser tida em consideração e sem que esse consumidor possa desvincular se da ação coletiva.
2. Na fundamentação do acórdão constam as seguintes passagens:
"20 Com as suas questões prejudiciais, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.º da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que impõe ao juiz chamado a pronunciar‑se sobre uma ação individual de um consumidor para declarar o caráter abusivo de uma cláusula de um contrato que o liga a um profissional, a suspensão automática dessa ação até ao trânsito em julgado de uma sentença proferida no âmbito de uma ação coletiva pendente, intentada por uma associação de consumidores com base no segundo parágrafo desse artigo, a fim de, nomeadamente, pôr termo à utilização, em contratos do mesmo tipo, de cláusulas análogas à visada pela referida ação individual.
21 Para responder a estas questões, há que recordar, a título preliminar, que, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, da Diretiva 93/13, os Estados‑Membros preveem meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados entre consumidores e profissionais. Paralelamente ao direito subjetivo do consumidor de recorrer ao tribunal para que este aprecie o caráter abusivo de uma cláusula de um contrato de que é parte, o mecanismo previsto no artigo 7.º, n.º 2, da Diretiva 93/13 permite aos Estados‑Membros instituir uma fiscalização das cláusulas abusivas incluídas em contratos‑tipo através de ações de inibição intentadas no interesse público por associações de defesa dos consumidores.
22 No que se refere, por um lado, à ação individual de um consumidor, o sistema de proteção instituído pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade face ao profissional, no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação (v. acórdão Pereničová e Perenič, C‑453/10, EU:C:2012:144, n.º 27 e jurisprudência aí referida).
23 A fim de assegurar essa proteção, a situação de desequilíbrio entre o consumidor e o profissional só pode ser compensada por uma intervenção positiva, exterior às partes do contrato (acórdão Asturcom Telecomunicaciones, C‑40/08, EU:C:2009:615, n.º 31).
24 Neste contexto, o tribunal nacional deve apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual tendo em conta, como exige o artigo 4.º, n.º 1, da Diretiva, 93/13, a natureza dos bens ou dos serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas desse contrato, ou de um contrato de que este dependa (v., neste sentido, acórdão Asturcom Telecomunicaciones, C‑40/08, EU:C:2009:615, n.º 32).
25 Contudo, se o juiz nacional concluir pelo caráter abusivo de uma cláusula, o direito a uma proteção efetiva do consumidor engloba a faculdade de renunciar a invocar os seus direitos, de forma que o juiz nacional deve ter em conta, tal sendo o caso, a vontade manifestada pelo consumidor quando, consciente do caráter não vinculativo de uma cláusula abusiva, manifeste, todavia, que se opõe a que ela seja excluída, dando assim um consentimento livre e esclarecido à cláusula em questão (v. acórdão Banif Plus Bank, C‑472/11, EU:C:2013:88, n.º 35).
26 Por outro lado, no que se refere a ações intentadas pelas pessoas ou as organizações com o interesse legítimo de proteger os consumidores visadas no artigo 7.º, n.º 2, da Diretiva, cabe salientar que estas últimas não se encontram nessa situação de inferioridade relativamente ao profissional (acórdão Asociación de Consumidores Independientes de Castilla y León, C‑413/12, EU:C:2013:800, n.º 49).
27 Com efeito, sem negar a importância do papel essencial que estas ações devem poder exercer para alcançar um nível de proteção elevado dos consumidores na União Europeia, há, não obstante, que observar que uma ação inibitória que opõe uma associação dessa natureza a um profissional não se caracteriza pelo desequilíbrio existente no âmbito de uma ação isolada que envolva um consumidor e seu cocontratante profissional (v. acórdão Asociación de Consumidores Independientes de Castilla y León, C-413/12, EU:C:2013:800, n.º 50.
28 Além disso, essa abordagem diferenciada é confirmada pelo disposto no artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 98/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de maio de 1998, relativa às ações inibitórias em matéria de proteção dos interesses dos consumidores (JO L 166, p. 51), e no artigo 4.°, n.º 1, da Diretiva 2009/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa às ações inibitórias em matéria de proteção dos interesses dos consumidores (JO L 110, p. 30), que lhe sucedeu, segundo os quais os tribunais do lugar do estabelecimento ou do domicílio do demandado é que são competentes para conhecer das ações inibitórias intentadas pelas associações de defesa dos consumidores de outros Estados‑Membros, em caso de violação intracomunitária da legislação da União relativa à proteção dos consumidores (acórdão Asociación de Consumidores Independientes de Castilla y León, C‑413/12, EU:C:2013:800, n.º 51).
29 Há que acrescentar que a natureza preventiva e o objetivo dissuasor das ações inibitórias, bem como a sua independência em relação a qualquer conflito individual concreto, implicam que tais ações possam ser intentadas mesmo quando as cláusulas cuja proibição é pedida não tenham sido utilizadas em contratos determinados (v. acórdão Invitel, C‑472/10, EU:C:2012:242, n.º 37).
30 Por conseguinte, as ações individuais e coletivas têm, no âmbito da Diretiva 93/13, objetos e efeitos jurídicos diferentes, de modo que a relação de caráter processual entre a tramitação de umas e das outras só pode atender a exigências de natureza processual relativas, nomeadamente, à boa administração da justiça e que visem a necessidade de evitar decisões judiciais contraditórias, sem que, no entanto, a articulação dessas diferentes ações conduza a um enfraquecimento da proteção dos consumidores, como prevista na Diretiva 93/13.
31 Com efeito, apesar de esta diretiva não pretender harmonizar as sanções aplicáveis caso seja reconhecido o caráter abusivo de uma cláusula no âmbito das referidas ações, o artigo 7.°, n.° 1, obriga, todavia, os Estados‑Membros a assegurar que existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização dessas cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (acórdão Invitel, C‑472/10, EU:C:2012:242, n.º 35). [...]
35 No caso em apreço, há que observar que, como decorre da interpretação do órgão jurisdicional de reenvio em circunstâncias como as do presente caso, este está obrigado, por força do artigo 43.º do Código de Processo Civil, a suspender a ação individual que lhe foi submetida, até ao trânsito em julgado da sentença proferida na ação coletiva cuja solução é suscetível de ser válida para a ação individual e, por isso, o consumidor já não pode invocar individualmente direitos reconhecidos pela Diretiva 93/13, desvinculando‑se da referida ação coletiva.
36 Ora, tal situação é suscetível de prejudicar a efetividade proteção pretendida por esta diretiva tendo em conta as diferenças do objeto e da natureza dos mecanismos de proteção dos consumidores que se materializam nessas ações [...].
37 Com efeito, por um lado, o consumidor está obrigatoriamente ligado ao resultado da ação coletiva, mesmo que decida não integrar a mesma, e a obrigação que incumbe ao tribunal nacional por força do artigo 43.º do Código de Processo Civil impede assim este último de proceder à sua própria análise das circunstâncias do caso que lhe é submetido. Em especial, não serão determinantes para a resolução do litígio individual a questão da negociação individual da cláusula cujo caráter abusivo é alegado nem tão pouco a natureza dos bens ou serviços objeto do contrato em causa.
38 Por outro lado, o consumidor é tributário, nos termos do artigo 43.º do Código de Processo Civil como interpretado pelo órgão jurisdicional de reenvio, do prazo de adoção de uma decisão judicial relativa à ação coletiva, sem que o tribunal nacional possa apreciar desse ponto de vista a pertinência da suspensão da ação individual até ao trânsito em julgado da sentença proferida na ação coletiva.
39 Assim, contrariamente ao que exige o artigo 7.º, n.º 1, da Diretiva 93/13, uma regra nacional dessa natureza revela‑se incompleta e insuficiente e não constitui um meio adequado nem eficaz para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas."
MTS