"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/04/2016

Jurisprudência (336)


Coligação de réus; cumulação simples; 
impugnação da paternidade; reconhecimento da paternidade


1. O sumário de RP 15/2/2016 (8135/14.6T8PRT.P1) é o seguinte:

É admissível, não configurando incompatibilidade material de causas de pedir e pedidos, a formulação na mesma ação dos pedidos relativos à impugnação e ao reconhecimento da paternidade.

2. Da fundamentação do acórdão consta a seguinte passagem:

"Admitindo-se que não é questão incontroversa, não se acompanha o entendimento expendido na decisão recorrida.

Inversamente, acolhe-se o entendimento oposto e que, de forma expressiva, é afirmado no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo 3292/08-3, em 9 de julho de 2009, disponível na base de dados do IGFEJ (www.dgsi.pt), onde também se remete para o acórdão proferido no processo 1672/06-3 desse mesmo Tribunal e que parcialmente se transcreve:

«(…) Dispõe o artigo 1848.º, n.º 1, do Código Civil, relativamente ao reconhecimento da paternidade, que “não é admitido o reconhecimento em contrário da filiação que conste do registo de nascimento enquanto este não for retificado, declarado nulo ou cancelado”.

Todavia, como bem se refere no acórdão em apreço tal disposição (de natureza claramente substantiva – daí a sua inclusão no Código Civil e não no Código de Processo Civil) apenas determina que o reconhecimento de paternidade contrária à constante do registo de nascimento só possa ter lugar depois de esta ter sido eliminada (por retificação, declaração de nulidade ou cancelamento).

Tal significa assim que, estando em causa o cancelamento da paternidade registada (por presunção legal) por via de ação de impugnação de paternidade (como é o caso dos autos), o pedido de reconhecimento de (outra) paternidade (como também é o caso dos autos) só possa ser apreciado e decidido depois de decidido favoravelmente o pedido respeitante àquela impugnação.

Aliás, não faria naturalmente sentido se assim não fosse, sob pena de, pelo menos durante algum tempo, ficarem a constar do registo, em simultâneo, duas paternidades distintas.

Todavia, afigura-se-nos que nessa perspetiva, nada impeça que tais pedidos possam ser deduzidos e apreciados numa mesma ação, conforme o caso dos autos.

O que acontece é que o tribunal apenas poderá apreciar o pedido de reconhecimento depois de apreciar e julgar procedente o pedido de impugnação, sendo que a improcedência deste implicará, necessariamente e automaticamente, por via da disposição legal acima citada, a improcedência daquele.

Assim, em resultado da procedência dos dois pedidos, o registo da nova paternidade só poderá ser efetuado depois de cancelado o anterior registo.

E nesta perspetiva, o novo registo, ainda que efetuado no mesmo ato (mas sempre depois de feito o cancelamento) jamais implicará qualquer tipo de duplicação.

Aliás, sendo a perfilhação e a decisão judicial em ação de paternidade as formas de reconhecimento de paternidade (artigo 1847.º do Código Civil), se nos termos do n.º 2 do citado artigo 1848.º do Código Civil, a falta de retificação, de declaração de nulidade ou de cancelamento da paternidade constante do registo não invalida a registada, não se vê por que razão o reconhecimento judicial da paternidade (a outra forma de reconhecimento da paternidade) não possa avançar pelo menos em simultâneo com o pedido de impugnação, ficando todavia a procedência (eficácia) daquele dependente da procedência deste conforme já referido. Trata-se, em bom rigor de dois pedidos respeitantes, cada um deles, a réus diferentes (enquanto que o de impugnação respeita à mãe do menor e ao pai registado, o de reconhecimento respeita à mãe do menor e ao pai registando). Assim, não se estando perante uma situação de cumulação de pedidos, a que alude o artigo 470.º do Código de Processo Civil (artigo 555.º, na atual redação, resultante da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), a qual pressupõe a dedução de vários pedidos contra o mesmo réu, está em causa uma situação de coligação a que alude o n.º 1 do artigo 30.º do mesmo diploma (artigo 36.º, na redação atual), nos termos do qual “… é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência”.

Não estando em causa, in casu, uma mesma causa de pedir (enquanto a impugnação assenta na falta de relações de sexo com a mãe do menor geradoras do nascimento por parte de um dos réus, o reconhecimento assenta na existência dessas mesmas relações por parte do outro réu) estamos, todavia, perante uma situação de prejudicialidade ou dependência, na medida em que o reconhecimento da nova paternidade está dependente, conforme acima referido, da impugnação e consequente cancelamento da paternidade constante do registo. Não se verificam, assim, a nosso ver, quer à luz do disposto no n.º 1 do artigo 1848.º do Código Civil, quer à luz do disposto no n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo Civil (atual artigo 36.º, n.º 1), quaisquer entraves a que numa mesma ação se peça primeiramente a eliminação da paternidade registada e depois o reconhecimento de nova paternidade.

Aliás, tal entendimento até se afigura o mais adequado, atentas as razões de economia processual, evitando-se dessa forma, a necessidade de se instaurarem duas ações em vez de uma só, com todo o cotejo de implicações daí decorrentes ao nível da boa, rápida e mais económica aplicação da justiça.»

No mesmo sentido se pronuncia, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 16 de março de 2010, no âmbito do processo 699/09.2TBOAZ.S1, disponível na mesma base de dados."

MTS