Aplicação da lei no tempo; competência territorial do tribunal de recurso
1. É o seguinte o sumário de RC 17/3/2015 (951/06.9TBCLD.C1):
I – Em 01/09/2014 entrou em vigor o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (doravante ROFTJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março, que procedeu à regulamentação da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário, doravante LOSJ) e estabeleceu o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais - (artº 1º e 1ª parte do artº 118º do DL 49/2014), entrando, então, também em vigor, a citada LOSJ (artº 188º, nº 1, desta Lei).
II - Com a entrada em vigor das citadas normas da LOSJ e do ROFTJ, ou seja a partir de 1 de Setembro de 2014, o Tribunal da Relação Lisboa deixou, em princípio, de poder apreciar os recursos interpostos das decisões proferidas pelos Tribunais extintos (v.g., Tribunal Judicial de Caldas da Rainha) e cujos autos respectivos ficaram afectos aos Tribunais criados pelo novo corpo de leis de organização judiciária, relativamente aos quais, face a esse regime, não é o Tribunal hierarquicamente superior que lhes corresponde, por se encontrarem fora da sua área de competência territorial.
III - Assim temos vindo a entender que o Tribunal da Relação de Coimbra, desde que não provenham de processos que se devam entender como pendentes noutras Relações em 01/09/2014, deve apreciar os recursos que, a partir dessa data lhe sejam remetidos por Tribunais que, por força das normas do LOSJ e do ROFTJ, passaram a estar na área da sua competência territorial, ainda que para aqueles, na data em que foram interpostos, fosse, então, territorialmente competente uma outra Relação.
IV - A norma do artº 103º do ROFTJ parece ser um afloramento, no âmbito recursal, do princípio perpetuatio jurisdictionis (ou perpetuatio fori).
V - Reportando-se esta norma aos processos, pensamos que pretende que, havendo recursos interpostos para determinada Relação, que nela estejam pendentes para julgamento em 01/09/2014, se tenha como fixada a competência dessa Relação para o julgamento dos recursos das decisões proferidas nesse processo, “rectius” para o julgamento dos recursos que já tenham sido interpostos, mas não remitidos à Relação em 01/09/2014, bem como dos recursos que venham a ser interpostos posteriormente.
VI - A pendência num Tribunal da Relação, em 01/09/2014, de um recurso de um determinado processo, (seja recurso que subiu nos autos principais, seja recurso que subiu em separado), cristaliza nesse Tribunal, “ex vi” do artº 103º do ROFTJ, a competência para apreciar os recursos que respeitem a esse processo, quer sejam interpostos posteriormente a essa data, quer hajam sido interpostos anteriormente a ela, mas com subida diferida para momento posterior.
2. O art. 103.º RLOSJ estabelece o seguinte: "a competência dos atuais tribunais da Relação mantém-se para os processos neles pendentes". É com o argumento de que o preceito se refere a "processos", e não a "recursos", que a RC entende que não é territorialmente competente para apreciar um recurso interposto enquanto aguarda decisão na RL um outro recurso interposto no mesmo processo.
No entendimento da RC, o "processo" encontra-se pendente na RL, pois que aguarda decisão neste tribunal um recurso interposto antes da entrada em vigor da LOSJ (isto é, quando o tribunal a quo pertencia ao distrito judicial da RL). Por esta circunstância, a RL é territorialmente competente para apreciar um recurso que foi interposto depois da entrada em vigor da LOSJ, mesmo quando, por virtude desta lei, o tribunal a quo tenha deixado de pertencer à área da RL.
MTS