"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



16/09/2024

Jurisprudência 2024 (5)

 
Documentos electrónicos;
emails; valor probatório

 
1. O sumário de RG 18/1/2024 (4148/16.1T8VCT-D.G1) é o seguinte:

I- A nova realidade da prova eletrónica ou documentos eletrónicos não colide e subsume-se à noção de documento emergente do art. 362º do CC, com a particularidade de que esta prova eletrónica tanto pode ser objeto de prova, como meio de prova, como ambos simultaneamente: pode ser objeto de prova se cuidarmos de provar um facto eletrónico, v.g., o envio de um correio eletrónico; pode ser um meio de prova quando, por exemplo, o remetente de um correio eletrónico reconhece ou assume algum ato ou facto, pelo que neste caso, prova-se eletronicamente um facto: no caso sub judicio, provou-se que a requerida proibiu a partir de maio de 2022 contactos e visitas do pai com a filha, conforme o teor dos emails juntos e elencados nos factos provados.

II- No exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio o tribunal deverá decidir sempre de harmonia com o interesse do menor.

III- Se numa situação de incumprimento do regime de visitas, a menor, de 14 anos de idade, se recusa ao convívio com o pai, esses contactos não lhe devem ser impostos pelo tribunal, forçando-a a um convívio não desejado;

IV- No entanto, tendo-se demonstrado que a mãe, como progenitor guardião, obstaculizou os contactos da menor com o pai, por diversos fins de semana e desde maio de 2022, incumprindo o regime de visitas, sem que para tal conduta conste qualquer justificação é de considerar culposa e ilícita aquela sua atuação, desde logo porque ocorreu sem causa justificativa, merecendo, por isso, um juízo de censura que justifica a sua condenação em multa (artigo 41º, nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 27º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais).
 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"O tribunal fundamentou da seguinte forma: “ O teor dos emails dos pontos 10 a 17 resultam dos documentos juntos pelo pai requerente com o requerimento inicial, e não foram impugnados pela mãe”.
 
A recorrida pretende a eliminação de tais pontos de facto dados como provados e alega que “os pontos 10 a 17º dos factos provados reproduzem transcrições de documentos juntos, os quais são meios de prova e não são factos alegados, pelo que ao retirar tais factos dos documentos, o tribunal viola o princípio do contraditório e do processo justo e equitativo”.
 
Vejamos.
 
Ora, resulta do requerimento inicial que o requerente (progenitor) alega, quanto ao incumprimento das visitas da filha DD no seu art. 8º o seguinte:
 
Recentemente, proibiu os contactos com a sua filha DD, conforme email que se junta, onde se verifica a recusa da progenitora de entrega e visita da menor para que esta passasse o tempo de fim-de-semana com o progenitor alegando factos torpes e falsos como justificação á recusa.”
Ou seja, o requerente alega que a requerida proibiu os contactos com a sua filha DD, conforme o teor dos emails que juntou, donde se verifica a recusa da entrega da menor para passar o fim de semana com o progenitor.
 
O tribunal a quo optou por nos pontos 10 a 17º dar como provado o teor dos emails, ou seja, o conteúdo dos mesmos, respetivamente, em relação ao seu autor e data de envio, e todos estes elementos, na verdade, não foram impugnados e, por outro lado, constam da alegação aduzida naquele art. 8º do requerimento inicial, pelo que não existe qualquer violação do princípio do contraditório quando os mesmos estão elencados nos factos provados, porquanto resultam da alegação aduzida pelo requerente e cuja autoria não foi colocada em causa, e é assumida por ambas as partes no conteúdo respetivo.
 
Repare-se que estamos perante prova eletrónica ou documentos eletrónicos, mas esta nova realidade não colide e subsume-se à noção de documento emergente do art. 362º do CC.
 
“A particularidade da prova eletrónica é que a mesma tanto pode ser objeto de prova, como meio de prova, como ambos simultaneamente. Pode ser objeto de prova se cuidarmos de provar um facto eletrónico, v.g., o envio de um correio eletrónico. Pode ser um meio de prova quando, por exemplo, o remetente de um correio eletrónico reconhece o pagamento de uma fatura. Neste caso, prova-se eletronicamente um facto. Finalmente, pode ser objeto e meio de prova concomitantemente quando, por exemplo, se cuida de apurar a celebração de um contrato a partir de correios eletrónicos tocados a partir de dois computadores. Nesta última eventualidade, ocorre a prova eletrónica de um facto eletrónico. (…)
 
Quer o documento analógico quer o documento eletrónico….inserem-se no género documento (…)
 
A força probatória de qualquer deles ancora-se nas garantias que os mesmos oferecem quanto à inalterabilidade do conteúdo e à identificação do autor” [In “ O Valor Probatório do Documento Eletrónico no Processo Civil”, de Luís Filipe Pires de Sousa, p. 32 a 34.]

No caso vertente, estamos perante cópias analógicas (por extratos, no sentido de que impressão é uma mera cópia) de um documento eletrónico, porém têm a mesma força probatória do respetivo original  cfr. art. 5ºA do RJDEAD, na redação dada pelo DL 66-A/2022, de 30-09).

Tendo presentes estas considerações, e volvendo ao caso sub judicio, diremos que é inquestionável que à Recorrente assiste toda a razão quando alega que os documentos não são factos, mas meros meios de prova de factos.
 
Sem embargo, já não lhe assiste razão ao sustentar, implicitamente, que não seria lícito à juiz a quo reproduzir o conteúdo dos documentos eletrónicos, quando na alegação aduzida na petição inicial são os mesmos aludidos para que se conclua pela prova de um outro facto: de que a requerida proibiu os contactos da filha DD com o pai e, explicitamente, conforme ressuma do conteúdo de tais emails enviados pela recorrida ao recorrente, pelo que além do conteúdo dos mesmos ser de se manter, ainda restará a este tribunal ad quem, conforme infra se analisará, determinar a ampliação da matéria de facto e que foi omitida pelo tribunal a quo, falha essa ainda possível de ser colmatada.
 
Dito de outro modo: o que foi dado como provado foi o conteúdo – e apenas em parte - que está ínsito nos documentos, que não os próprios documentos.
 
Agora, entendemos, outrossim, que o tribunal a quo não se pronunciou sobre o facto alegado no artigo 8º e que tais emails comprovam, por declaração explícita da própria requerida/recorrente e que outra interpretação não se perfila, dentro das regras da experiência comum e comportamentos normais: “ a requerida proibiu os contactos do pai com a filha DD, conforme os emails juntos onde se verifica a recusa da progenitora de entrega e visita da menor para que esta passasse o tempo de fim-de-semana com o progenitor”.

Ora, este Tribunal da Relação deve ampliar e corrigir oficiosamente a matéria de facto fixada e decidida na 1ª instância, nomeadamente:
 
a) Quando existir matéria de facto plenamente provada por documento (art.371º do CC), por confissão (art.567º/1 do CPC), por acordo das partes (arts. 574º/2 e 587º/1 do CPC), não considerada na decisão da 1ª instância, e que seja relevante para a apreciação do objeto do recurso, de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito, nos termos do art.663º/2 do CPC, em referência ao art.607º/4-2ª parte do CPC. 
 
b) Quando a decisão da matéria provada incorrer em obscuridade ou deficiência e o processo dispuser de elementos suficientes no processo que permitam ao Tribunal superior suprir as irregularidades e apreciar a matéria alegada e não sujeita a prova, nos termos do art. 662º/3-c) do CPC.

Assim sendo e em face do exposto, aditar-se-á à matéria de facto provada, uma vez que ressuma do teor dos documentos, nomeadamente os da autoria da requerida nos termos dos quais a mesma reafirma e assume, de forma explicita e inequívoca - seja em 07-05, seja em 12-05 - que “ a partir de hoje a DD não vai estar contigo nas visitas que estão marcadas”, o seguinte facto provado, com a enumeração 22º:
 
“a requerida proibiu os contactos do pai com a filha DD, conforme os emails constantes dos pontos 10º a 17º, recusando a progenitora a entrega e visita da menor para que esta passasse o tempo de fim-de-semana com o progenitor”."

[MTS]

  

13/09/2024

Jurisprudência 2023 (231)

 
Procedimento cautelar;
prova pericial*
 
 
I. O sumário de RC 13/12/2023 (1462/23.3T8VIS-B.C1) é o seguinte:

1. - Em procedimento cautelar, é admissível a produção de prova pericial, ainda que oficiosamente determinada, desde que se trate de prova necessária/imprescindível, designadamente por os factos probandos essenciais demandarem especiais conhecimentos técnicos ou científicos, não ao alcance do comum das pessoas.

2. - Justifica-se a produção de prova pericial quando esteja em causa pedido de imediato encerramento de estabelecimento de restauração, instalado em fração autónoma de prédio constituído em propriedade horizontal, ou a imediata proibição de qualquer atividade nesse estabelecimento – com os inerentes prejuízos económicos –, com fundamento em perigo para a saúde e a vida de pessoas/famílias residentes em frações autónomas habitacionais do mesmo edifício, por via da emissão de fumos, cheiros, gases e ruídos, razão pela qual também foi pedida a inversão do contencioso.

3. - As exigências probatórias inerentes aos procedimentos cautelares e o caráter urgente do respetivo procedimento não são de molde a afastar, de
per si, a possibilidade de produção de prova pericial, dependendo a decisão sobre a admissão/produção desse meio de prova da natureza dos factos probandos e das particularidades do caso.

4. - A prova técnica assim obtida – sempre sujeita à urgência de que se reveste o procedimento cautelar – pode ser usada no julgamento da causa principal, desde que nesta o tribunal o deixe transparecer claramente, mormente na justificação da decisão da matéria de facto.
 

II. Na decisão sumária sobre as qual incidiu o acórdão afirma-se o seguinte:

"Da (in)admissibilidade e (des)necessidade de realização de prova pericial em procedimento cautelar

Como visto, sem invocação de uma específica norma legal habilitante (apenas aludiu ao disposto no art.º 365.º, n.º 1, do NCPCiv., que se reporta a «prova sumária»), segundo a interpretação que adotou, o Tribunal recorrido entendeu admissível e necessária/justificada a realização de prova pericial, no âmbito de procedimento cautelar, para determinação quanto a níveis (exatos) de ruídos, fumos, cheiros e gases, alegadamente invasores de frações habitacionais autónomas e, bem assim, partes comuns do prédio onde se integram, provenientes de uma fração não habitacional, onde se encontra instalado um estabelecimento de restauração, existindo fugas nas condutas de extração dos fumos e cheiros do restaurante ou não tendo o sistema ali instalado capacidade para conduzir tais fumos e cheiros do interior do restaurante para o exterior – sem incómodos e perturbações da qualidade de vida dos restantes condóminos, em especial dos aqui requerentes –, chegando os ruídos, por seu lado, a ser ensurdecedores.

Os Recorrentes, em primeira linha argumentativa, defendem que, neste tipo de processos, por apenas se exigir prova sumária e pela patente natureza urgente, não é admissível a produção de prova pericial, esta de conformação/obtenção demorada pela sua própria natureza.

A contraparte esgrime, por sua vez, no sentido da admissão dessa prova técnica.

Quem tem razão?

Vejamos.

É certo que no procedimento cautelar comum começa por se exigir prova sumária, com vista ao preenchimento do primeiro de dois requisitos, legalmente previstos, de procedência da providência que haja sido requerida.

Assim é que dispõe o art.º 362.º n.º 1, do NCPCiv. que:

«Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.».

Enquanto, no mesmo sentido, estabelece o art.º 368.º, n.º 1, do mesmo Cód. que a «providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.».

Esses dois requisitos legais, são, pois, como é consabido:

a) A provável existência do direito; e

b) O fundado receio da sua lesão (perigo de lesão grave e dificilmente reparável).

A exigência de (simples) «prova sumária» resulta da “provisoriedade da medida cautelar e sua instrumentalidade perante a ação de que é dependência”, reportando-se, então (e apenas), à «existência do direito ameaçado» – basta aqui «uma simples justificação», um «juízo de verosimilhança», que «não se compadece com as indagações probatórias próprias do processo principal» –, uma vez que, diversamente, se exige algo mais quanto ao periculum in mora, o dito fundado receio de lesão, a dever «revelar-se excessivo»/acentuado/intenso (por comparação à comum «pendência de qualquer ação»), já que nesta parte a prova dos factos concludentes de suporte haverá de ser correspondente a um «juízo de certeza sobre a sua realidade», aquele mesmo que «é exigível em qualquer demonstração probatória feita em juízo», embora com o tempero da «urgência do procedimento cautelar», em função do que «o juiz deve evitar o risco de demasiada exigência na investigação» (Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, ps. 7, 8 e 40.).

Do exposto já pode inferir-se que a prova do periculum in mora não se basta com uma prova sumária, um mero juízo de verosimilhança ou uma simples justificação, exigindo-se, de forma mais clara, um juízo de certeza sobre os factos.

Quanto às concretas provas admissíveis nos incidentes da instância – de que os procedimentos cautelas são um exemplo –, referem Abrantes Geraldes e outros (Veja-se a obra Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 340.) que, relativamente à prova testemunhal, «existe uma limitação quantitativa», por a parte não poder produzir mais de cinco testemunhas (como resulta do n.º 1 do art.º 294.º do NCPCiv.), sempre salientando que, quanto a outros meios de prova, «serão admitidos aqueles que a matéria de facto justificar», sem, pois, qualquer abstrata exclusão de determinados meios de prova (pela sua natureza).

E acrescentam os mesmos Autores que o «pressuposto da probabilidade séria supera os meros indícios, mas fica aquém do nível de convicção necessário para decretar a inversão do contencioso» (Vide op. cit., p. 429.).

Assim, poderá dizer-se que, à partida, e em abstrato, nada parece impedir a produção de prova pericial em procedimento cautelar, desde que produzida de forma célere, atenta a natureza urgente do processo, e se mostre ser necessária/justificada. Poderá até recorrer-se às provas produzidas no âmbito da providência cautelar, incluindo a prova pericial, para o julgamento da respetiva ação principal, contanto que o juiz, se fundar nessas provas a sua convicção, assim o explicite (de antemão) às partes e o declare na motivação da decisão da matéria de facto, observando as necessárias exigências de transparência e boa-fé (Neste sentido, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III vol., Almedina, Coimbra, 1998, ps. 131 a 134.).

Pode assentar-se, assim, em que, em matéria de procedimentos cautelares como o dos autos, são admissíveis, em abstrato, «todos os meios de prova legítimos», com a restrição imposta, apenas, «pelas necessidades do caso concreto», havendo o juiz de «orientar-se pelos critérios legais ajustados ao caso e sindicáveis em via de recurso», nada obstando a que «o tribunal faça todas as averiguações complementares que se justificarem para a correcta e justa composição da lide», no uso do seu poder/dever de «inquisitoriedade», «o poder de averiguação oficiosa, para além daquilo que as partes entendam trazer ao processo» (Cfr. Abrantes Geraldes, Temas, cit., ps. 196 e 197, acrescentando ainda o mesmo Autor que, sem «prejuízo da necessária celeridade, o objectivo da adequada segurança jurídica, que também deve estar presente no decretamento de uma medida cautelar, impõe ao juiz um maior poder de averiguação e uma maior dose de empenhamento na detecção da real situação de facto de onde emerge a pretensão do requerente».) (Salientando também esta caraterística da oficiosidade na determinação de diligências probatórias indispensáveis, veja-se José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., p. 35.).

Líquida, pois, a admissibilidade, em abstrato, da prova pericial em procedimento cautelar, importa verificar, agora, se no caso tal prova era necessária/adequada/justificada, ao ponto de ter sido oficiosamente determinada pelo Tribunal.

A questão é, então, a de saber se os factos essenciais probandos, de que depende o decretamento da providência requerida, impõem o recurso à prova pericial, apesar – e para além – das provas indicadas pelas partes.

Refere a parte recorrida (na sua contra-alegação):

«Os Requerentes, aqui Recorrentes não tiveram em consideração que a prova pericial se mostra imprescindível à boa decisão da causa, por respeitar a perícia a factos que não são suscetíveis de serem apurados através de outros meios de prova, sendo pois a sua realização relevante, revestindo-se utilidade para dirimir a controvérsia em apreço nos autos, o que determinou a respetiva admissão.

De facto, andou bem o Tribunal a quo em admitir a perícia, uma vez que as questões em discussão assumem carácter técnico e os factos que constituem o respetivo objeto integram o fundamento do procedimento cautelar e da oposição deduzida, encontrando-se controvertidos.».

Já se viu que o Tribunal a quo se perfilou no sentido de haver factos alegados, de si relevantes, que exigem conhecimentos especializados e que são essenciais para a demonstração do direito invocado pelos Requerentes, tornando necessária a realização de prova pericial, sinalizando que, se a realidade, ainda que indiciária, de certos factos só é alcançável por determinados meios de prova, é inútil tentar fazer essa prova indiciária por meios probatórios sucedâneos.

Considerou, por isso, indispensável a perícia quanto aos factos referentes à alegada produção de ruídos, fumos, cheiros e gases, sua origem e propagação (provenientes do interior da fração onde funciona o estabelecimento de restauração, seguindo por uma conduta que circula pelo interior do edifício, passando nas partes comuns do mesmo e pelo interior de algumas das frações); à existência de fugas nas condutas de extração dos fumos e cheiros da fração onde funciona o restaurante; à incapacidade do sistema ali instalado para conduzir tais fumos e cheiros para o exterior, sem incómodos e perturbações para os restantes condóminos; aos ruídos produzidos à saída da chaminé, de si ensurdecedores.

Ora, apreciando, cabe dizer que estes factos, pela sua natureza, demandam prova técnica/pericial, não se vendo, salvo o devido respeito, como afastar a determinada perícia, a qual, todavia, atenta a natureza dos autos, terá de ser obtida, inquestionavelmente, de forma célere/urgente.

Com efeito, sobre níveis de quantificação/intensidade de cheiros, fumos, gases e ruídos, sua proveniência, propagação e perigo para a saúde – ou até, como invocado, para a vida – das pessoas, no interior de frações autónomas habitacionais, onde residam famílias, não parece possível produzir uma prova testemunhal fiável, rigorosa e credível, por se tratar de matéria cujo esclarecimento/estabelecimento, com a segurança necessária, demanda especiais conhecimentos técnicos, que não estão ao alcance do comum das pessoas, mas somente de peritos habilitados.

A isto acresce o dano económico para a atividade do dito estabelecimento comercial de restauração decorrente da procedência da providência: foi pedido, lembre-se, o imediato encerramento do estabelecimento ou, caso assim não se entenda, a imediata proibição de qualquer atividade desenvolvida no mesmo, bem como a imediata reposição do telhado ou cobertura e da chaminé que serve o sistema de extração do fumos, cheiros e gases.

Por outro lado, foi pedida, também, a inversão do contencioso.

Assim sendo, afigura-se necessário, por mais seguro, obter níveis fiáveis de emissões de fumos, cheiros, gases e ruídos, sua origem e propagação, bem como decorrentes perigos alegados (---)

Tarefa probatória esta muito dificilmente alcançável através de prova testemunhal, antes sendo adequada e justificada a dita prova pericial, que se mostra, assim, necessária/imprescindível para o estabelecimento, com um mínimo de segurança, da respetiva factualidade alegada.

E não está afastada, como visto, a hipótese de a prova pericial em discussão – que terá de ser produzida/obtida com urgência – vir a poder ser apreciada/aproveitada no âmbito do processo principal.

De notar ainda que no Ac. TRE de 19-12-2006 invocado, a seu favor, pelos Recorrentes (roc. 2169/06-2 (Rel. Almeida Simões), em www.dgsi.pt.) havia duas questões a apreciar: «a admissibilidade da resposta à oposição e a verificação dos requisitos do procedimento cautelar».

Não estava, pois, em causa qualquer prova pericial e respetiva (in)admissibilidade, bem se compreendendo que, como consta do respetivo sumário, apenas se firmasse ali o entendimento no sentido de:

«I- Apesar de estar vedada a resposta em articulado, o requerente do procedimento cautelar pode responder à oposição do requerido na audiência que se segue à dedução da oposição, com a faculdade de discutir matéria de excepção que, eventualmente, tenha sido levantada na oposição.

II- Nos procedimentos cautelares toda a prova produzida é meramente indiciária, seja a produzida pelo requerente, seja a produzida pelo requerido, em sede de oposição, pelo que não se exige a prova segura do facto, como sucede no processo declarativo, bastando o juízo de mera probabilidade.

Por isso, os indícios trazidos pelo requerente do procedimento cautelar podem ser afastados por indícios de sinal contrário carreados pelo requerido. E é a ponderação do conjunto da prova indiciária que permite ao julgador manter a providência decretada, afastar os seus fundamentos ou determinar a sua redução, constituindo esta nova decisão complemento e parte integrante da inicialmente proferida, como vem estabelecido no artigo 388°, n° 2 do CPC.».

Nada, assim, se pode retirar deste aresto no sentido da proibição ou inviabilidade da prova pericial em procedimento cautelar.

Resta o argumento que se prende com a urgência do procedimento cautelar e a invocada ultrapassagem do prazo a que alude o art.º 363.º, n.º 2, do NCPCiv..

Com efeito, a parte requerente/recorrente discorda do decidido também por entender que, em obstrução à natureza urgente e sumária inerente ao procedimento cautelar, já há um ano os autos estão pendentes, sem produção de qualquer prova indicada, razão pela qual pede que se ordene a imediata produção das provas oferecidas.

Todavia, importa reconhecer que a decisão recorrida apenas se pronuncia sobre a prova pericial, determinando-a oficiosamente, pelo que é esse o âmbito/objeto do decidido, com que tem de conformar-se o decorrente recurso: apelação autónoma de decisão que admitiu/determinou o meio de prova pericial [art.º 644.º, n.º 2, al.ª d), do NCPCiv.].

E nem se sabe – nestes autos de recurso de apelação autónoma, com subida, por isso, em separado – quais os motivos da demora do processo cautelar, as razões pelas quais ainda não tenha sido produzida qualquer prova, se há, ou não, motivo justificado para a não correspondência ao prazo a que alude o art.º 363.º, n.º 2, do NCPCiv., embora seja essa uma matéria/problemática – a do eventual incumprimento de prazos processuais pelo juiz e seus motivos – que se reflete essencialmente no âmbito da eventual responsabilidade disciplinar, que caberia ao Conselho Superior da Magistratura considerar, e não, salvo o devido respeito, na ponderação quanto às provas admissíveis (Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., p. 16.).

Aliás, não se vê que a questão da ultrapassagem desse prazo processual, tal como fixado no dito art.º 363.º, n.º 2, tenha sido, de antemão, colocada à 1.ª instância, sendo fora de dúvida que não foi objeto de decisão no despacho recorrido, pelo que sempre se trataria de questão nova, de que, por isso, é vedado à Relação conhecer neste recurso de apelação autónoma incidente sobre exclusiva questão de admissão de meio de prova.

Em suma, não se demonstrando violação de lei, improcede a apelação, cabendo à parte interessada suscitar, querendo, na 1.ª instância – ou junto do órgão disciplinar competente – a questão da ultrapassagem daquele prazo processual."


*[Comentário] Supõe-se que faltou apenas ao tribunal de 1.ª instância fazer uso do seu poder de gestão processual (art. 6.º, n.º 1, CPC) para que não se suscitassem nenhumas dúvidas sobre a adequada utilização da prova pericial.

Cabe apenas acrescentar que não se acompanha a orientação de que o periculum in mora exige mais do que uma prova sumária, orientação que, aliás, não tem apoio no disposto nos art. 365.º, n.º 1, e 368.º, n.º 1, CPC.

MTS

12/09/2024

Jurisprudência 2024 (4)

 
Agente de execução;
responsabilidade civil
 

I. O sumário de RG 11/1/2024 (621/20.5T8VRL.G1) é o seguinte:

1. O Agente de Execução actua, no exercício das suas funções, como profissional liberal, ainda que exercendo actividade de cariz judicial. Daí que a sua eventual responsabilidade civil pelo exercício das suas funções é uma responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, nos termos definidos pelos arts. 483o e seguintes do Código Civil.

2. Numa situação em que está a correr uma execução contra um executado e em que já foi realizada a venda de um imóvel por leilão judicial, tendo sido apresentada e aceite proposta de aquisição por terceiro, e se vem a saber que o executado se apresentou à insolvência, se o terceiro adquirente não conseguir obter a verba necessária para fazer o pagamento do preço oferecido antes do executado ser declarado insolvente, sibi imputet.

3. E se mesmo depois de saber que o executado foi declarado insolvente, o terceiro fizer o pagamento do preço e o pagamento do IMT e IS, e realizar a escritura de compra e venda, não pode vir mais tarde demandar o agente de execução ao abrigo do disposto no art. 483o CC, pretendendo ser indemnizado pelos danos sofridos.

4. Se antes da realização da escritura, o agente de execução foi notificado de que “a execução estava suspensa, por força da declaração da executada como insolvente”, e deu conhecimento desse facto ao terceiro adquirente, a decisão de prosseguir com a escritura, nestas circunstâncias, só responsabiliza este, e não o agente de execução.

5. Não é possível afirmar nem o nexo causal entre o facto praticado pelo AE e o dano alegado pelo adquirente, nem sequer que o AE tenha actuado com dolo ou negligência, e nem sequer que tenha ocorrido facto ilícito.

6. A questão de saber se a declaração de insolvência do executado, com a consequente suspensão de todas as execuções pendentes, se aplicava também a esta venda em concreto, em que vários dos actos em que se decompõe a venda já estavam praticados, era uma questão jurisdicional, que o agente de execução não tem competência para decidir.
 

II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"O Tribunal a quo considerou, em resumo nosso, o seguinte: os autores pretendem ver ressarcidos os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreram. Daí o Tribunal passou a verificar se a ré CC [agente de execução] violou algum direito dos autores, ou lei que se destinasse a proteger interesse alheio.
 
O que temos perante nós é que a ré exerceu as funções de Agente de Execução no processo que correu termos sob o n.º 357/17...., outorgou escritura de compra e venda de bem penhorado, numa execução então suspensa por força da declaração, como insolvente, da executada, o que determinou viesse a ser declarada nula a emissão do título de transmissão do aludido bem, com a ineficácia da venda ocorrida.
 
Porém, não se comprovou que a ré haja ocultado a declaração de insolvência e até a notificação da suspensão da execução aos autores.
 
À luz do disposto no artigo 88º do CIRE, tal outorga, porque em momento em que a execução estava suspensa, é ilícita, mas não se verifica o nexo causal entre essa outorga e a totalidade dos danos alegados pelos autores. Com efeito, as démarches para a licitação, as démarches para obtenção do empréstimo, o pagamento do preço, tudo estava já consumado, em nome da expectativa da aquisição. Quando os autores incorreram nos custos referidos, fizeram-no em nome de uma expectativa que sabiam periclitante, após a apresentação à insolvência por banda da executada.
 
Ficou provado que em 21/02/2019 os autores eram conhecedores da declaração de insolvência e até da suspensão da execução e, ainda, assim, decidiram outorgar a escritura.
 
Ficou assim arredado qualquer nexo causal entre o comportamento da ré e os alegados danos, quer patrimoniais quer não patrimoniais.
 
E em face do vertido em oo) dos factos provados, designadamente quanto à consideração de 18/02/2019 como a data da suspensão da execução, que pode, inclusive, perspectivar-se que, houvesse o pagamento do preço e dos impostos ocorrido entre 15/02/2019 e 17/02/2019, o desfecho do incidente de nulidade tivesse sido diferente, o que também afasta a prova do nexo causal.
 
E com efeito assim é.
 
Não é possível afirmar nem o nexo causal entre o facto praticado pela ré e o dano alegado pelos autores, nem sequer que a ré tenha actuado com dolo ou negligência. E mesmo quanto à ilicitude, temos as maiores dúvidas.
 
O facto fundamental aqui é que, antes da realização da escritura, a ré foi notificada de que “a execução estava suspensa, por força da declaração da executada como insolvente”, e deu conhecimento desse facto ao autor marido. A decisão de prosseguir com a escritura, nestas circunstâncias, tem de ser assacada aos ora recorrentes. O que queremos com isto dizer é que eles, sabendo da suspensão da execução, e sabendo do risco que estavam a correr, mesmo assim assumiram esse risco e outorgaram na escritura.
 
Mas há ainda um outro aspecto que deve ser considerado aqui.
 
A “corrida” que supra-referimos pela propriedade / posse do imóvel, entre os ora recorrentes e a massa falida, não envolve apenas factos e datas. É também e sobretudo uma “corrida” jurídica, no sentido em que envolve conceitos técnicos e um julgamento jurídico. Concretamente, coloca-se a questão de saber em que momento a venda executiva se deve considerar consumada, se com o pagamento do preço, se com a realização da escritura, se com a emissão do título de transmissão.
 
Por exemplo, no Acórdão do TRE de 6 de Dezembro de 2018 (Manuel Bargado), colocava-se a questão de saber “em que momento se deve considerar efectuada a venda judicial em processo de execução, sabido que, nos termos do disposto no art.º 847º, nº 1, do CPC, se o requerimento para liquidação da responsabilidade do executado for feito antes da venda ou adjudicação de bens, liquidam-se unicamente as custas e o que faltar do crédito do exequente”. E a questão foi aí analisada, com ponderação de doutrina e jurisprudência. E concluiu-se que “na venda executiva por leilão electrónico a transmissão da propriedade do bem vendido só se opera com o pagamento integral do preço e a satisfação das obrigações fiscais inerentes à transmissão e a emissão do respectivo título de transmissão - o instrumento de venda”.
 
Não é a solução que aí se deu que nos interessa agora. Interessa-nos perceber que sobre essa questão formaram-se posições divergentes, como aliás, em quase todas as questões de natureza jurídica.
 
Assim é que, verdadeiramente, a decisão da “corrida” não foi apenas um conjunto de factos e datas, mas antes uma questão jurisdicional, que foi decidida pelo despacho de 17/10/2019, proferido no processo de insolvência, que declarou nula a emissão do título de transmissão do imóvel em referência, o que gerou a total ineficácia da venda ocorrida.
 
A venda executiva não se traduz num só acto, mas sim num encadeado deles. E não repugna considerar que, se à data da notificação da declaração de insolvência ao agente de execução, já o pagamento do preço estivesse feito e o título de adjudicação entregue, poder-se-ia considerar que essa venda já estava consumada, não sendo abrangida pela paralisação decorrente da insolvência. Seria uma questão de aplicação no tempo da decisão que decretou a insolvência. Não estamos a dizer que é o que ocorre, apenas que é uma interpretação possível. E sendo uma questão jurisdicional não linear, não cabia à agente de execução decidir a mesma.
 
Recordemos, como escrevem Abrantes Geraldes e outros, 
[in CPC Anotado, Vol. II, Almedina, 2020], fls. 53, que “ao agente de execução é cometido um poder geral de direcção do processo de execução, tendo uma competência ampla e não tipificada, embora com natural exclusão dos actos que apresentem natureza jurisdicional, nos termos definidos no art. 723º e noutras normas avulsas. Ou seja, compete ao agente de execução a prática da quase totalidade dos actos de execução, com excepção dos materialmente jurisdicionais e especificamente daqueles cuja competência é legalmente deferida ao Juiz”.
 
E é aqui que entronca a defesa apresentada pela ré, que, a esta luz, faz pleno sentido. Afirmou ela na sua contestação que, além do mais, “uma vez que a adjudicação do bem estava feita por decisão datada de 29/01/2019, era entendimento da ré que era seu dever proceder à outorga da escritura, até porque, aquando da suspensão da execução, inclusive o preço já se mostrava depositado, pelo que apenas a afectação do preço da venda estaria em causa”.
 
Esta era, no momento, a essência do problema: saber se aquela venda executiva em concreto, que já estava quase concluída, também seria abrangida pela suspensão decorrente da declaração de insolvência.
 
“O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (art. 1º,1 CIRE).

Prescreve o artigo 149.º CIRE que uma vez proferida a sentença declaratória da insolvência se deve proceder à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente. A competência para tal cabe ao administrador de insolvência (artigo 150º CIRE), juntando depois aos autos o auto do arrolamento e do balanço e elaborando um inventário dos bens e direitos integrados na massa insolvente.

O art. 88º CIRE, na redacção da Lei 16/2012, de 20 de Abril) dispunha:
 
Artigo 88º (Acções executivas) 1- A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes. (…) 4- Compete ao administrador da insolvência comunicar por escrito e, preferencialmente, por meios electrónicos, aos agentes de execução designados nas execuções afectadas pela declaração de insolvência, que sejam do seu conhecimento, ou ao tribunal, quando as diligências de execução sejam promovidas por oficial de justiça, a ocorrência dos factos descritos no número anterior”.
 
A questão de saber se essa suspensão abrange uma venda executiva, que é composta por vários actos sequenciais, sendo que a maior parte deles já estavam praticados, é uma questão eminentemente técnico-jurídica. E salvo melhor opinião, não cabia à ré exercer esse julgamento face à concreta venda em curso. Ela fez o que considerou ser a sua obrigação: informou os compradores da declaração de insolvência. Mesmo assim, estes decidiram outorgar a escritura. 
 
E note-se a relevância do que ficou provado na alínea ee): “acontece que no momento em que estava a ser outorgada a escritura de compra e venda, no dia 21.02.2019, no cartório da Dra. GG, em ..., alguém aludiu “à insolvência” de FF, tendo sido decidido verificar se já estava registada a insolvência no prédio, o que não sucedia, pelo que o acto prosseguiu e a escritura foi outorgada”.
 
Assim, se a própria Notária, perante a informação da insolvência, decidiu prosseguir com a escritura, e os ora recorrentes também quiseram celebrar a escritura, porque razão iria a ré / ora recorrida opor-se ?
 
Acresce que, como vimos, a questão de saber se a venda se mantinha ou era considerada ineficaz, como questão jurisdicional que era, acabou por ser levada, e bem, ao Juiz titular do processo de insolvência, o qual, após cumprimento do contraditório, a decidiu.
 
Quer-nos até parecer que a ré/recorrida agiu como agiu para tentar ajudar os ora recorrentes a adquirirem para si o prédio, por ser evidente o grande interesse que tinham nele. Mas apesar disso, não deixou de os avisar do risco que corriam.
 
Refere a recorrida EMP02..., SA nas suas contra-alegações, que “a responsabilidade civil por omissão pressupõe o dever específico de praticar um acto que, pelo menos, muito provavelmente teria impedido a consumação do dano. No caso, estaríamos perante o dever que imponha ao agente de execução a obrigação de divulgar a declaração de insolvência a terceiro que se propõe adquirir por escritura pública um bem apreendido em execução. Impor tal dever ao agente de execução seria, inclusivamente, contraditório com o carácter público da insolvência que, aliás, é publicitada por forma a ser divulgada e dada a conhecer a todos”. Ora, sucede que, sendo certo que a ré não tinha esse dever, ficou provado que a ré prestou mesmo essa informação ao terceiro adquirente. Também por essa via não existe qualquer fundamento para responsabilizar a ré pelos danos sofridos pelos autores.
 
Finalmente, da argumentação dos recorrentes parece resultar que a ré tinha o dever de os aconselhar juridicamente, quase como se fosse sua Advogada. Nada mais longe da verdade. Mais uma vez lembramos, provou-se que a ré, pelo menos em 18/02/2019 foi notificada de que a execução estava suspensa, por força da declaração da executada como insolvente (leia-se, a ré foi notificada que a executada tinha sido declarada insolvente), e que em data não concretamente apurada, mas situada entre essa data e a data aprazada para a escritura, a ré deu conhecimento desse facto ao autor marido. Mais não era obrigada a fazer (art. 719º CPC, a contrario).
 
Assim sendo, a conduta da ré que emerge da factualidade provada não preenche os requisitos do art. 483º CC para o nascimento da obrigação de indemnizar: não se verifica ilicitude, nem culpa (dolo ou negligência), nem nexo de causalidade entre o facto e o dano. Diremos mais ainda: como refere a Seguradora nas suas contra-alegações, ainda que a matéria de facto tivesse sido alterada como pretendiam os recorrentes, ainda assim a acção improcederia."

[MTS]